A Coalizão para a Descarbonização dos Transportes, composta por entidades dos setores público, privado, acadêmico e da sociedade civil, entregou ao governo federal, em 12 de maio, um estudo com 90 propostas concretas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa do setor de transportes em até 70% até 2050, em relação ao cenário de inação. O plano, que será usado como subsídio para a Nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, deverá ser apresentado pelo Brasil durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, em Belém, em novembro.
Segundo Sérgio Avelleda, professor e coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, que integra o Núcleo de Mobilidade Urbana do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper, o plano elaborado pela Coalizão se destaca tanto pela representatividade do setor quanto pela viabilidade prática de suas ações. “Foi uma dinâmica que reuniu mais de 50 organizações, entre empresas, ONGs, associações e academia. Todo o setor estava representado e construiu uma oferta de descarbonização a partir da perspectiva privada”, explicou.
A Coalizão, lançada em 2024 e liderada pela Motiva (ex-CCR), pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), pelo Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pelo Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, está estruturada em seis frentes — rodoviária, ferroviária, aquaviária, aérea, mobilidade urbana e infraestrutura transversal — e atua com foco em soluções técnicas e estratégicas para acelerar a transição para um transporte mais limpo, eficiente e integrado, posicionando o Brasil como liderança climática rumo à COP30.
O Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, por sua vez, é uma iniciativa inédita no Brasil. Foi criado em 2023 pelo Laboratório Arq.Futuro do Insper em parceria com a então CCR, maior empresa de infraestrutura de mobilidade do país. Seu objetivo é construir um banco de dados robusto sobre mobilidade urbana nas maiores cidades brasileiras, reunindo informações públicas e privadas para apoiar políticas públicas baseadas em evidências, contribuindo com diagnósticos precisos sobre transporte, segurança viária e eficiência operacional.
O estudo elaborado pela Coalizão partiu da constatação de que o setor de transportes é responsável por 11% das emissões brutas do Brasil, ou 260 milhões de toneladas de CO₂ equivalente em 2023. Desse total, o transporte rodoviário é responsável por mais de 90%. Se nada for feito, as emissões podem crescer 63% até 2050, chegando a 424 MtCO₂e.
No entanto, a Coalizão demonstrou que é possível conter esse aumento e ainda reduzir significativamente as emissões por meio de três vetores principais: mudança na matriz de transportes, com a diminuição da participação rodoviária e aumento de ferrovias e hidrovias; expansão do uso de biocombustíveis, como biodiesel, etanol e biometano; e eletrificação da frota e uso de novas tecnologias para modais de difícil descarbonização.
Esses três vetores respondem por cerca de 60% do potencial total de redução das emissões. “A principal contribuição para diminuir as emissões é sairmos de uma matriz rodoviarista para uma que privilegie ferrovias, hidrovias e a cabotagem”, sintetiza Avelleda. “Depois disso, vem a substituição de combustíveis fósseis e a eletrificação.”
A implementação das propostas demandaria R$ 600 bilhões em investimentos até 2050. Trata-se de um valor considerável, mas Avelleda ressalta que o custo de não agir seria muito maior. “Quanto a sociedade vai pagar em razão dos extremos climáticos, das mudanças no regime de chuvas, das contingências que já estamos enfrentando nas cidades e no campo?”, observa.
As 90 medidas de descarbonização propostas pela Coalizão foram divididas em ações de alta viabilidade e outras de longo prazo. Entre as medidas de curto prazo estão: renovação e modernização das frotas; aprimoramento da infraestrutura ferroviária e rodoviária; adoção de tecnologias de eficiência energética (como pneus mais eficientes e uso de internet das coisas); otimização de rotas e redução de ociosidade logística.
No campo da eletrificação, destaca-se a meta de alcançar mais de 50% da frota leve e 40% da frota pesada eletrificadas até 2050. Isso exigirá uma ampliação significativa da infraestrutura de recarga elétrica e estímulo à produção local de veículos elétricos e baterias. Já no uso de biocombustíveis, o estudo estima a demanda adicional de 25 bilhões de litros em 2050, incluindo etanol, diesel verde e SAF (combustível sustentável de aviação).
Embora o plano tenha sido desenvolvido pela iniciativa privada, seu sucesso depende de uma forte articulação com o governo. “Se não houver uma grande coordenação entre governo, setor privado e sociedade, o plano não vai ter muito sentido”, alerta Avelleda. Ele enfatiza que o plano visa apoiar a delegação brasileira nas negociações climáticas da COP30, demonstrando que o setor de transportes tem soluções concretas e viáveis para contribuir com as metas de redução de emissões.
Para Avelleda, a crise climática deixou de ser uma previsão distante e passou a constituir um fenômeno presente, que já impacta cidades, estradas, lavouras e vidas. “Já estamos sentindo os efeitos da mudança do regime de chuvas e dos eventos extremos. Quem ainda não percebeu a urgência das ações propostas pela Coalizão está alienado da realidade”, afirma.
Nesse contexto, o plano da Coalizão representa mais do que um conjunto de propostas técnicas: trata-se de um chamado à ação coordenada, baseada em ciência, inovação e cooperação entre governo, setor privado e sociedade civil. Com a COP30 no horizonte e o Brasil sob os holofotes da diplomacia climática, a descarbonização do transporte pode se tornar um símbolo da transformação que o país deseja liderar — e da urgência que o momento exige.
Na entrevista a seguir, Miguel Setas, CEO da Motiva, destaca os desafios e compromissos da empresa frente ao plano da Coalizão para reduzir as emissões do setor
Reduzir em 70% as emissões do setor de transportes até 2050 é uma meta ambiciosa, porém necessária diante da emergência climática. A recente entrega de um plano com 90 propostas pela Coalizão para a Descarbonização dos Transportes marca um passo importante, entretanto seu sucesso depende da coordenação efetiva entre empresas, governo e sociedade civil. Na entrevista a seguir, Miguel Setas, presidente da Motiva, fala sobre os principais desafios dessa transição, o papel da empresa na implementação de soluções sustentáveis e como dados, inovação e compromisso público estão moldando o futuro da mobilidade urbana no país.
A Coalizão para a Descarbonização dos Transportes entregou um estudo com 90 propostas para reduzir as emissões do setor de transportes em 70% até 2050. Considerando que o sucesso do plano depende de uma forte articulação com o governo, quais são os principais desafios esperados nessa coordenação entre o setor privado, o governo e a sociedade civil, e como a Motiva pretende contribuir para garantir a implementação efetiva dessas propostas?
O principal desafio está na construção de uma governança colaborativa, permanente e eficaz, capaz de transformar o consenso técnico e setorial que gerou as 90 propostas em ações concretas, sustentáveis e socialmente justas. A complexidade dessa transição exige uma articulação inédita entre poder público, setor privado e sociedade civil, capaz de alinhar diferentes interesses, superar a fragmentação regulatória e mobilizar os mais de R$ 600 bilhões em investimentos verdes estimados pelo plano.
Reconhecendo a importância da agenda de sustentabilidade, a Motiva já vem realizando em suas plataformas de rodovias, aeroportos e trilhos uma série de ações que endereçam os objetivos estabelecidos no plano da Coalizão, como o uso de biocombustíveis em seus veículos leves, a eletrificação da frota operacional, o uso de fontes renováveis e limpas de energia elétrica em 100% de suas operações, reaproveitamento de fresado para pavimentação e a incorporação de novas tecnologias que ajudam a reduzir as emissões dos seus clientes, como o sistema de pedágio sem cancelas, o free flow.
Essas ações estão associadas a compromissos públicos que demonstram a relevância do tema para a organização, como as metas de ser neutro em carbono nos escopos 1 e 2 até 2035 e de reduzir em 59% as emissões dos escopos 1 e 2 e em 27% as do escopo 3 até 2033, aprovadas pela SBTi (Science Based Targets initiative).
A Motiva entende que, ao implementar esses projetos e assumir esses compromissos está incentivando outras empresas do setor a fazer o mesmo, catalisando a agenda de sustentabilidade e elevando a régua de todo o mercado, gerando um efeito positivo que beneficia não só a cadeia setorial, mas também a sociedade.
A companhia está preparada para contribuir com a execução do plano da Coalizão, alavancando a sua experiência técnica, operacional, financeira e liderança setorial para mobilizar outras empresas, poder público e financiadores a aderirem a esta agenda e sendo um elo de articulação entre os diferentes setores, compartilhando aprendizados e defendendo políticas públicas consistentes.
O plano da Coalizão aponta três vetores principais para a redução das emissões: mudança na matriz de transportes, expansão do uso de biocombustíveis e eletrificação da frota. Entre as ações de curto prazo, destacam-se a renovação e modernização das frotas e o aprimoramento da infraestrutura. Como a Motiva enxerga seu papel específico para viabilizar essas medidas de curto prazo, especialmente na transição para uma matriz menos rodoviária?
A Motiva, hoje, é a maior empresa de infraestrutura de mobilidade do Brasil, sendo líder em concessões de rodovias e trilhos (trens, metrôs e VLT) e o terceiro maior player em aeroportos. Por sua atuação destacada, a companhia estabeleceu como visão liderar o setor de mobilidade com foco na criação de valor sustentável.
Isso se materializa nas ações práticas implementadas pela companhia ao longo dos últimos anos. A Motiva encerrou 2024 com 100% dos seus ativos abastecidos apenas por energia de fontes renováveis, antecipando em um ano o cumprimento da meta, prevista para 2025. Além disso, mais de 90% da frota de veículos leves já é abastecida apenas com biocombustíveis, em direção aos 100% até o fim de 2025. Outra iniciativa conectada com as propostas da Coalizão é o início do projeto de eletrificação da frota operacional, como guinchos leves, veículos de inspeção de tráfego e viaturas de resgate.
Além disso, a Motiva tem um investimento previsto de dezenas de bilhões de reais em seus contratos de concessão para modernizar a infraestrutura de mobilidade do Brasil. São recursos destinados a elevar a qualidade do serviço nas linhas 8 e 9 do sistema metroferroviário de São Paulo, melhoria das condições viárias em rodovias, com a introdução de novas tecnologias e pavimentação mais sustentável, e aeroportos mais modernos e confortáveis para os clientes.
Por fim, a modernização da infraestrutura promovida pela Motiva incorpora a resiliência climática como elemento central. A companhia foi pioneira ao adotar uma estratégia nessa frente, com o objetivo de preparar os seus ativos de rodovias, trilhos e aeroportos para enfrentar os impactos de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Até o final de 2025, planos de mitigação serão implementados para 100% dos ativos com risco climático considerado significativo.
Neste sentido, a Motiva se posiciona como indutora da evolução de seu setor, combinando investimentos estruturantes, inovação tecnológica e um modelo de gestão orientado à sustentabilidade, eficiência e responsabilidade social.
Desde a criação do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, em parceria com o Insper, como a Motiva tem utilizado os dados e análises gerados para embasar decisões estratégicas ou políticas voltadas à mobilidade urbana sustentável?
A criação do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável, iniciativa viabilizada com o apoio da Motiva, representa um passo fundamental para ampliar o acesso a dados qualificados sobre a mobilidade urbana no Brasil, de forma a contribuir com estudos acadêmicos qualificados e ajudar os governos na construção de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida nos centros urbanos brasileiros.
Por meio da parceria, a Motiva tem realizado o compartilhamento de informações de suas operações metroferroviárias em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador para atualizar e expandir a base de dados do Observatório. Neste sentido, para a Motiva, apoiar o trabalho do Observatório é uma forma de contribuir ativamente com a consolidação de uma base robusta de dados públicos, capaz de subsidiar pesquisas, estudos e políticas voltadas à melhoria dos sistemas de transporte urbano no país.
Ao mesmo tempo, a iniciativa possibilita que a companhia estreite os laços e o relacionamento com instituições de ensino e pesquisa de grande relevância para o desenvolvimento de ações com impacto acadêmico, social e institucional.
Embora o uso interno das análises geradas pelo Observatório ainda esteja em fase inicial, a Motiva reconhece o grande potencial desse banco de dados com informações públicas e privadas para embasar futuras decisões estratégicas, especialmente no que diz respeito à avaliação de novos investimentos em regiões metropolitanas, no entendimento das condições de microacessibilidade nas regiões onde a companhia atua e na identificação de oportunidades de parcerias com o poder público e com o setor privado para a promoção de ações voltadas à mobilidade urbana sustentável.
Para a Motiva, o Observatório é a expressão de uma visão clara: mobilidade sustentável não se constrói apenas com infraestrutura, mas com inteligência, dados qualificados e compromisso público e privado com a transformação da realidade das cidades e melhoria na qualidade de vida das pessoas.