Pandemia ameaça aprofundar desigualdades no Brasil
Ao reagir para mitigar a transmissão do novo coronavírus, a sociedade e os governos brasileiros fecham escolas e reduzem a atividade dos trabalhadores. Em razão disso, crianças e adolescentes vulneráveis e a população não-idosa, já preteridos na partilha da renda nacional e das transferências públicas, tendem a ficar ainda mais para trás. No livro “Legado de uma Pandemia”, lançado pelo Insper, Naercio Menezes Filho, Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado discutem as repercussões educacionais e intergeracionais da pandemia no país. Também apresentam sugestões para combater seus desdobramentos indesejáveis na desigualdade social. Quando o sistema de ensino interrompe abruptamente a instrução presencial de dezenas de milhões de crianças e adolescentes e passa a operar a distância, os efeitos sobre o aprendizado dos estudantes variam fortemente conforme a inserção socioeconômica, escreve Naercio. Quanto mais vulneráveis, pior tenderá a ser o seu desempenho. Habitações precárias, com baixo acesso a infraestrutura sanitária e alta densidade de pessoas sob o mesmo teto, tornam-se ambientes hostis à boa evolução das habilidades cognitivas na primeira infância (0 a 6 anos). Insegurança na renda familiar, ao que a população pobre está desproporcionalmente exposta, também é fator de risco. Sem apoio de creches e educadores especializados, que contribuem também na nutrição, e com o fim do auxílio monetário emergencial, crianças pequenas estarão submetidas a condições ainda mais adversas ao desenvolvimento intelectual e emocional. Na ausência de políticas corretivas, os danos à renda e à saúde dessa geração tendem a ser perenes. Os prejuízos para os alunos vulneráveis do ensino fundamental ao médio relacionam-se ao acesso restrito às ferramentas da instrução a distância, bem como à baixa capacidade de pais ou responsáveis de incentivar e colaborar com o aprendizado domiciliar. Naercio sugere que equipes da Estratégia Saúde da Família, presentes em 98,4% dos municípios, passem a instruir os pais também sobre o desenvolvimento educacional dos filhos, em especial na primeira infância. A expansão do Bolsa Família, maior para lares com crianças pobres, e a definição de um plano eficaz de recuperação imediata do aprendizado para a volta às escolas também integram as sugestões do pesquisador. Outro aspecto da desigualdade brasileira que pode piorar com a passagem da crise sanitária é a desproteção relativa dos segmentos jovens e em idade de trabalhar nas políticas de transferências de recursos governamentais. O gasto público per capita com idosos no Brasil é seis vezes a despesa com crianças, adolescentes e jovens –em 30 países avaliados pela Cepal, braço das Nações Unidas para a América Latina, nenhum outro ultrapassa a marca de quatro vezes nessa comparação. Ricardo Paes de Barros e Laura Muller argumentam que o esforço de toda a…