Compra de remédio sob pressão judicial penaliza orçamento público
A judicialização da compra de remédios pelo setor público, que obriga gestores a adquiri-los fora das linhas de planejamento do governo, majora na média em até 44% o preço final dos itens na comparação com a obtenção regular. A ameaça de punição judicial representa um custo adicional ao erário mesmo quando esse mecanismo é cotejado com outra modalidade de aquisição urgente, feita na esfera administrativa. No segundo capítulo de sua tese de doutoramento no Insper, que lhe rendeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese, Darcio Genicolo Martins investiga os impactos nos preços de medicamentos negociados pelo governo produzidos por decisões judiciais que levam os gestores a adquirir drogas fora dos parâmetros do planejamento governamental. Nessa modalidade de judicialização da saúde, cidadãos acionam as cortes para obter medicamentos que não são oferecidos regularmente pelo sistema público, muitas vezes porque não constam da lista de itens avalizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), outras porque o protocolo não segue a combinação de drogas e dosagens exigida pelo paciente. No estado de São Paulo, onde o professor do Insper realizou a sua pesquisa, o número anual de ações judiciais demandando produtos de saúde decuplicou para mais de 23 mil de 2008 a 2017, com taxas de sucesso na primeira instância chegando a 85%. Mais de 2.700 itens singulares foram requisitados em período similar. Essas despesas incidentais com ordens da Justiça representaram 5% do orçamento estadual da Saúde em 2018. A fim de estimar o efeito dessas decisões judiciais sobre o preço de medicamentos negociados e pagos pelo erário, o pesquisador recrutou dados dos certames eletrônicos de compras de remédios pelo governo paulista de 2009 a 2019, que totalizaram mais de 59 mil observações. Informações sobre a litigância contra o estado em torno de medicamentos foram obtidas em base de dados da administração paulista e também da leitura, por meio de técnica de aprendizado de máquina, de todas as ações judiciais dessa temática contra o governo estadual que tramitaram no mesmo período. Aplicando técnicas analíticas a esse acervo, Darcio Martins pôde avaliar o que ocorre com o preço de um medicamento comprado sob ordem judicial em relação ao do mesmo item adquirido conforme o planejamento regular da administração estadual. O valor estabelecido como de referência para os leilões eletrônicos elevou-se em média de 60% a 69%; o efetivamente pago, de 31% a 44%. O número de firmas participantes dos certames caiu de 29% a 32%; o de propostas nos leilões baixou de 39% a 46%. Como no estado de São Paulo há uma outra modalidade de compra emergencial de medicamentos –resultado de negociações na esfera administrativa, dispensando a via do Judiciário e as…
Análise de redes revela jurisprudência do STJ
Num tribunal, decisões sobre um caso usualmente se valem de citações de julgados anteriores sobre o tema correlato. Há decisões que são muito, e outras que são pouco, mencionadas. Pode-se conceber, portanto, que cada peça avaliada naquela corte se conecta a outras que a precederam, formando uma teia com nós mais densos que outros. Essa concepção, que também embasa sistemas de buscas de conteúdo na internet, foi utilizada por José Luiz Nunes, da FGV-RJ e PUC-RJ, e Ivar Hartmann, do Insper, para descrever e analisar a parte da litigância do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que lida com direito empresarial. Os pesquisadores concluem que essa jurisprudência é dominada por poucas decisões, que giram em torno do mecanismo que, no passado, facultava ao cliente da telefonia fixa adquirir ações das companhias prestadoras do serviço. Pela primeira vez que se tem notícia, no Brasil e fora dele, um estudo com essa modelagem analisou a jurisprudência de um tribunal superior com volume tão grande de decisões. No período pesquisado, de 2008 a 2018, o STJ proferiu 282.040 manifestações que podem ser classificadas no campo do direito empresarial. Como falta nas cortes superiores brasileiras a descrição sistemática e padronizada dos precedentes citados em cada decisão –nos chamados metadados–, os pesquisadores puseram-se a preencher essa lacuna. Vasculharam manualmente o inteiro teor de 80 decisões, estabeleceram as conexões com antecedentes e depois utilizaram essa amostra anotada como parâmetro para calibrar um mecanismo automático de identificação de precedentes no conjunto das manifestações do STJ sobre direito empresarial. Criou-se assim uma rede completa da jurisprudência da corte no tema e no período avaliados, em que cada decisão singular corresponde a um nó (“node”, em inglês), e as conexões entre uma e outra são as arestas (“edges”), que no caso das manifestações de tribunais sempre vão no sentido do mais novo para o mais antigo. A relevância de cada decisão pôde assim ser aferida pelo volume de citações que carrega e também pela qualidade da fonte dessas citações –a menção num julgado do plenário do STJ pesa mais que a de uma decisão menos importante hierarquicamente. Retirando da análise as súmulas –sínteses da jurisprudência que os tribunais publicam para orientar futuras decisões sobre o mesmo litígio–, surgiram os casos mais relevantes na temática do direito empresarial. Os que ocupam o topo da lista estão relacionados ao dispositivo pelo qual clientes de telefonia fixa tinham, no passado, a opção de tornar-se sócios das empresas telefônicas ao adquirir uma linha. A temática perpassa os três conjuntos (“clusters”) de decisões mais relevantes, responsáveis por 28,9% de todos os casos no âmbito do STJ com citações referentes a direito empresarial no período estudado.…
Sozinha, informatização se mostra insuficiente para tornar Justiça mais célere
A maioria das ações judiciais já migrou de papeis e pastas físicas para o universo digital. Mas elas conservam exigências que, ao serem repetidas exaustivamente, podem gerar obstáculos para que a análise de processos se torne mais célere. Uma boa parcela delas são classificadas como burocráticas no estudo "Informatização judicial e efeitos sobre a eficiência da prestação jurisdicional e o acesso à Justiça", elaborado pelo Insper com apoio do Instituto Betty e Jacob Lafer. No trabalho, Luciana Yeung, Paulo Eduardo Alves da Silva e Carolina Osse afirmam que, apesar do avanço do formato eletrônico no país –pulou de 11,2% em 2009 para 90% em 2019–, ainda não houve resposta significativa de melhoria na duração dos processos, considerando o tempo de baixa e o de sentença. A informatização, acrescentam os pesquisadores, mostra-se "inócua se o processo precisa seguir uma liturgia burocrática e não racional". O trio também examinou as repercussões da disseminação do processo eletrônico na operação de advogados e na relação deles com clientes. Para compor as entrevistas, além entrevistas, os autores recorreram a métodos de inteligência artificial e à aplicação de questionários eletrônicos. Confira a seguir os principais resultados. Multiplicidade de sistemas Há pelo menos nove sistemas de processo eletrônico em operação nos tribunais de justiça estaduais do país. Essa diversificação repete-se em cortes federais e superiores e pode ser maior, uma vez que um mesmo sistema dá origem a diferentes versões. O quadro se contrapõe à integração defendida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, em 2013, instituiu o Processo Judicial Eletrônico (PJe), um software gratuito e de código aberto, como padrão para os tribunais. A unificação é vista como uma forma de otimizar o uso de recursos financeiros e humanos, aperfeiçoar a comunicação entre as cortes e facilitar o acesso ao Judiciário –advogados, por exemplo, teriam de recorrer a um único sistema. Entrevistas realizadas para o estudo demonstram resistência a esse plano. Um juiz de uma corte disse que não cabe ao CNJ "ser um fornecedor de produto". Gestores de outras avaliam que migrar para o PJe seria um retrocesso. Cita-se ainda que a mudança implicaria custos com treinamento e adaptação ao novo sistema. Para os críticos, a melhor alternativa seria investir na interoperabilidade dos sistemas existentes. Efeitos no andamento processual Ao analisarem todas as movimentações de 20 mil ações dos tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Rio de Janeiro (TJRJ) e nos regionais federais da 2ª Região (TRF2ª) e da 3ª Região (TRFª), os pesquisadores constataram uma profusão de procedimentos praticados durante a tramitação de casos. Para apurar com que frequência ocorreram esses procedimentos –também chamados de movimentações ou andamentos–, eles definiram que a execução…
Desajustes favorecem judicialização previdenciária
Os litígios judiciais envolvendo benefícios previdenciários crescem porque o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é lento ao processar os pedidos, se ajusta mal aos precedentes judiciais e aos critérios técnicos dos tribunais e não esgota possibilidades de resolução de conflito na esfera administrativa. Essas são as conclusões do estudo " A Judicialização de Benefícios Previdenciários e Assistenciais", realizado pelo Centro de Regulação e Democracia, do Insper, para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O trabalho foi coordenado pelos pesquisadores do Insper Paulo Furquim de Azevedo e Natalia Pires de Vasconcelos. O levantamento avaliou 18 milhões de processos, na Justiça e no INSS, analisou o teor de 1,3 milhão de decisões judiciais e entrevistou 45 operadores no Executivo e no Judiciário. De 2015 a 2019, o período observado na análise, cresceu 140% o número de processos requerendo a concessão ou a revisão judicial de benefícios previdenciários e assistenciais nas justiças federal e estadual. Como a demanda das agências do INSS elevou-se mais devagar, houve um aumento relativo da chamada judicialização desse tema. Além de o tipo de litígio variar conforme as características socioeconômicas de cada região –nas mais pobres questionam-se mais os benefícios assistenciais, nas mais ricas, as aposentadorias por tempo de serviço–, o fato de a pessoa estar desempregada no momento da demanda está associado a maior probabilidade de derrota na esfera administrativa, o que, por seu turno, tende a aumentar a quantidade de recursos à Justiça. Entre os fatores organizacionais que estimulam a litigância, destaca-se a dificuldade do INSS de absorver o que os tribunais reiteradamente decidem. As cortes flexibilizaram, por exemplo, o limite legal de um quarto do salário mínimo familiar per capita para a concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada) a pessoas com deficiência e pessoas idosas. O órgão do governo federal, contudo, continua negando pedidos de cidadãos com renda um pouco maior. Conflitos entre o que o INSS considera válido, de um lado, e o que a Justiça endossa, do outro, também ocorrem nas perícias técnicas, que embasam pedidos por auxílio-doença e ou aposentadoria por invalidez. Além de os critérios mostrarem-se díspares, os laudos feitos na esfera administrativa frequentemente não são levados em conta na etapa judicial. O instituto reduziu seus quadros técnicos na última década, enquanto a demanda pelos serviços subiu. Sem ganhos de produtividade que tenham compensado o movimento, o tempo médio de resposta aos pedidos aumentou, o que estimula a judicialização com maior chance de sucesso do reclamante. Facilitar o acesso, especialmente dos mais pobres, aos serviços do INSS, o que cada vez mais exige o domínio de serviços digitais, é uma das sugestões do estudo. Também são recomendadas a…
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