Formar médicos em regiões desprovidas reduziria disparidades no Brasil
No Brasil, como em outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, a escassez de médicos em algumas regiões é resultado de desigualdades na distribuição geográfica desses profissionais: se em determinadas áreas a oferta de médicos é abundante, em outras é insuficiente para cobrir as necessidades da população. Dados do Conselho Federal de Medicina de 2018 mostram que o número de médicos por mil habitantes está acima de 10 em algumas capitais e regiões metropolitanas — taxa muito superior à observada na maioria dos países desenvolvidos —, mas não passa de 2,1 no interior. Por outro lado, há ampla evidência na literatura econômica mostrando que a falta de profissionais qualificados nas áreas rurais e menos desenvolvidas constitui importante barreira para a melhoria da saúde da população. Não se sabe exatamente, entretanto, se políticas de incentivo financeiro são capazes de aumentar a proporção de médicos em áreas desassistidas. Para responder a essa pergunta, é necessário entender os fatores — inclusive diferenças salariais — que determinam a oferta de médicos em cada região do país e como os médicos reagem a alterações nesses fatores. Em estudo recentemente aceito para publicação, Francisco Costa (University of Delaware), Letícia Nunes (Insper) e Fabio Miessi (BI Norwegian Business School e Insper) simulam os efeitos de diferentes políticas públicas sobre a distribuição geográfica de médicos no Brasil. Para o estudo, foram coletadas informações sobre o universo de médicos generalistas formados no Brasil entre 2001 e 2013. Os autores observaram características individuais de 49.989 médicos — idade, gênero, local de nascimento, faculdade onde estudou —, o local onde esses médicos escolheram para trabalhar logo após o término da faculdade e atributos desses locais — salário médio real, medidas de qualidade da infraestrutura de saúde e das amenidades locais (qualidade das escolas, da segurança, do transporte público etc.). Com essas informações, o estudo analisou como as características dos médicos e das regiões afetam onde esses profissionais escolhem trabalhar. Os resultados indicam que os principais fatores por trás da escolha dos médicos são proximidade do local onde eles nasceram ou estudaram. Maiores salários e uma melhor infraestrutura de saúde e das amenidades locais também importam, mas em uma escala consideravelmente menor do que estar próximo ao local de nascimento ou graduação. Além disso, as preferências são heterogêneas de acordo com a qualidade e o prestígio da faculdade de medicina na qual os médicos se formaram. Aqueles que se formaram em melhores escolas valorizam mais as amenidades locais, são mais inelásticos aos salários, obtêm menor valor para retornar à sua região de nascimento e são os mais inclinados a permanecer no local de graduação. Em seguida, usando simulações, foi avaliado o efeito de…
Novo olhar sobre a desigualdade
A concentração de renda no Brasil caiu no começo deste século, de 2002 a 2017, contribuindo para que cerca de 16 milhões de pessoas deixassem de viver em situação de pobreza. Ainda assim, profundas disparidades marcavam a distribuição de renda no país.
Pandemia ameaça aprofundar desigualdades no Brasil
Ao reagir para mitigar a transmissão do novo coronavírus, a sociedade e os governos brasileiros fecham escolas e reduzem a atividade dos trabalhadores. Em razão disso, crianças e adolescentes vulneráveis e a população não-idosa, já preteridos na partilha da renda nacional e das transferências públicas, tendem a ficar ainda mais para trás. No livro “Legado de uma Pandemia”, lançado pelo Insper, Naercio Menezes Filho, Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado discutem as repercussões educacionais e intergeracionais da pandemia no país. Também apresentam sugestões para combater seus desdobramentos indesejáveis na desigualdade social. Quando o sistema de ensino interrompe abruptamente a instrução presencial de dezenas de milhões de crianças e adolescentes e passa a operar a distância, os efeitos sobre o aprendizado dos estudantes variam fortemente conforme a inserção socioeconômica, escreve Naercio. Quanto mais vulneráveis, pior tenderá a ser o seu desempenho. Habitações precárias, com baixo acesso a infraestrutura sanitária e alta densidade de pessoas sob o mesmo teto, tornam-se ambientes hostis à boa evolução das habilidades cognitivas na primeira infância (0 a 6 anos). Insegurança na renda familiar, ao que a população pobre está desproporcionalmente exposta, também é fator de risco. Sem apoio de creches e educadores especializados, que contribuem também na nutrição, e com o fim do auxílio monetário emergencial, crianças pequenas estarão submetidas a condições ainda mais adversas ao desenvolvimento intelectual e emocional. Na ausência de políticas corretivas, os danos à renda e à saúde dessa geração tendem a ser perenes. Os prejuízos para os alunos vulneráveis do ensino fundamental ao médio relacionam-se ao acesso restrito às ferramentas da instrução a distância, bem como à baixa capacidade de pais ou responsáveis de incentivar e colaborar com o aprendizado domiciliar. Naercio sugere que equipes da Estratégia Saúde da Família, presentes em 98,4% dos municípios, passem a instruir os pais também sobre o desenvolvimento educacional dos filhos, em especial na primeira infância. A expansão do Bolsa Família, maior para lares com crianças pobres, e a definição de um plano eficaz de recuperação imediata do aprendizado para a volta às escolas também integram as sugestões do pesquisador. Outro aspecto da desigualdade brasileira que pode piorar com a passagem da crise sanitária é a desproteção relativa dos segmentos jovens e em idade de trabalhar nas políticas de transferências de recursos governamentais. O gasto público per capita com idosos no Brasil é seis vezes a despesa com crianças, adolescentes e jovens –em 30 países avaliados pela Cepal, braço das Nações Unidas para a América Latina, nenhum outro ultrapassa a marca de quatro vezes nessa comparação. Ricardo Paes de Barros e Laura Muller argumentam que o esforço de toda a…
Com auxílio emergencial, Brasil tem a menor desigualdade da história
O auxílio emergencial, que em 2020 pagou a 38 milhões de famílias até R$ 1.200 por mês para mitigar os efeitos da pandemia de coronavírus, reduziu a desigualdade no Brasil a um nível recorde. Em sua vigência, o programa evitou que até 10% da população (21 milhões de pessoas) passasse a viver na pobreza e chegou perto de erradicar a miséria. Desigualdade, pobreza e miséria voltaram a convergir para a situação anterior à crise sanitária no último trimestre do ano passado, quando o valor dos pagamentos do benefício foi diminuído à metade em meio à retomada parcial da atividade econômica. Naercio Menezes Filho, Bruno Komatsu e João Rosa, pesquisadores do Insper que realizaram a análise, compuseram dados de pesquisas por amostra domiciliar que o IBGE fazia antes (PNAD Contínua) e que passou a fazer durante (PNAD Covid) a epidemia de coronavírus. Dessa forma, puderam detectar os impactos da crise na renda e no emprego da mesma amostra populacional. Antes da emergência na saúde, cerca de 12% da população brasileira não tinha renda suficiente para suprir suas necessidades básicas –limiar sob o qual a literatura especializada situa a pobreza. De maio a setembro, na vigência do auxílio de até R$ 1.200 por família para segmentos vulneráveis, a taxa de pobreza caiu para perto de 8%. Na ausência da transferência emergencial –e na hipótese de que as pessoas mantivessem o mesmo comportamento que demostraram com o acesso ao recurso–, a incidência da pobreza no país teria chegado a 18%, calculam os pesquisadores do Insper. Como a taxa real foi dez pontos percentuais menor, o exercício indica que até 21 milhões de brasileiros (10% da população) deixaram de viver na pobreza no período. Os maiores ganhos na renda durante a vigência do auxílio emergencial incidiram sobre estratos mais desprotegidos da sociedade brasileira, entre eles os menos escolarizados e os negros. Neste último grupo, a taxa de pobreza baixou a ponto de tornar-se equiparável à da população branca, alterando momentaneamente uma tendência secular. Em razão dos ganhos mais acentuados para camadas menos favorecidas, o auxílio reduziu a desigualdade da renda familiar per capita, medida pelo índice de Gini, a um nível inédito. Pela primeira vez na história documentada, esse indicador ficou abaixo de 0,50 –sendo 0 a mínima desigualdade teórica e 1 a máxima. O auxílio contribuiu em 86% para essa queda na desigualdade, segundo a análise de Naercio, Bruno e João.
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