Com auxílio emergencial, Brasil tem a menor desigualdade da história
O auxílio emergencial, que em 2020 pagou a 38 milhões de famílias até R$ 1.200 por mês para mitigar os efeitos da pandemia de coronavírus, reduziu a desigualdade no Brasil a um nível recorde. Em sua vigência, o programa evitou que até 10% da população (21 milhões de pessoas) passasse a viver na pobreza e chegou perto de erradicar a miséria. Desigualdade, pobreza e miséria voltaram a convergir para a situação anterior à crise sanitária no último trimestre do ano passado, quando o valor dos pagamentos do benefício foi diminuído à metade em meio à retomada parcial da atividade econômica. Naercio Menezes Filho, Bruno Komatsu e João Rosa, pesquisadores do Insper que realizaram a análise, compuseram dados de pesquisas por amostra domiciliar que o IBGE fazia antes (PNAD Contínua) e que passou a fazer durante (PNAD Covid) a epidemia de coronavírus. Dessa forma, puderam detectar os impactos da crise na renda e no emprego da mesma amostra populacional. Antes da emergência na saúde, cerca de 12% da população brasileira não tinha renda suficiente para suprir suas necessidades básicas –limiar sob o qual a literatura especializada situa a pobreza. De maio a setembro, na vigência do auxílio de até R$ 1.200 por família para segmentos vulneráveis, a taxa de pobreza caiu para perto de 8%. Na ausência da transferência emergencial –e na hipótese de que as pessoas mantivessem o mesmo comportamento que demostraram com o acesso ao recurso–, a incidência da pobreza no país teria chegado a 18%, calculam os pesquisadores do Insper. Como a taxa real foi dez pontos percentuais menor, o exercício indica que até 21 milhões de brasileiros (10% da população) deixaram de viver na pobreza no período. Os maiores ganhos na renda durante a vigência do auxílio emergencial incidiram sobre estratos mais desprotegidos da sociedade brasileira, entre eles os menos escolarizados e os negros. Neste último grupo, a taxa de pobreza baixou a ponto de tornar-se equiparável à da população branca, alterando momentaneamente uma tendência secular. Em razão dos ganhos mais acentuados para camadas menos favorecidas, o auxílio reduziu a desigualdade da renda familiar per capita, medida pelo índice de Gini, a um nível inédito. Pela primeira vez na história documentada, esse indicador ficou abaixo de 0,50 –sendo 0 a mínima desigualdade teórica e 1 a máxima. O auxílio contribuiu em 86% para essa queda na desigualdade, segundo a análise de Naercio, Bruno e João. Leia o estudo Reducing Poverty and Inequality during the Coronavirus Outbreak: The Emergency Aid Transfers in Brazil
Ajustes poderiam arrecadar até R$ 46 bi para auxílio emergencial
A extensão dos pagamentos emergenciais a segmentos vulneráveis à crise causada pela pandemia de coronavírus, em debate no Congresso Nacional, poderia ser custeada com ajustes de receitas e despesas públicas capazes de mobilizar R$ 46,2 bilhões até 2022. Nas contas de Marcos Mendes, pesquisador do Insper, uma parcela dos recursos arregimentados poderia financiar diretamente a nova rodada de transferências de dinheiro à população vulnerável, enquanto a outra mitigaria os efeitos para o déficit e a dívida pública produzidos durante a calamidade sanitária. Na primeira classe de medidas, para liberar recursos aos pagamentos urgentes, estão a destinação das emendas individuais de parlamentares no Orçamento de 2021 (R$ 4,8 bilhões); o fim do desconto no tributo previdenciário de alguns setores empresariais (R$ 5 bilhões); e o aproveitamento da economia de recursos com a operação reduzida de instâncias como o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público (R$ 1 bilhão). No segundo grupo de iniciativas, que aliviam a dívida pública, figuram a devolução por parte de estados e municípios dos recursos excessivos que receberam da União a título de compensação pelos impactos fiscais da crise sanitária (R$ 10 bilhões); a redução de descontos como os com dependentes e gastos de saúde no Imposto de Renda (R$ 10 bilhões); o congelamento por mais um ano de aumentos salariais no funcionalismo (R$ 9 bilhões); a revogação de benefícios setoriais a empresas (R$ 5,4 bilhões); e a privatização ou extinção de estatais de menor porte, como a Casa da Moeda e a Telebras (R$ 1 bilhão). A sugestão de Mendes é que o auxílio não seja totalmente custeado por aumento da dívida pública, que aumentaria a incerteza quanto ao futuro próximo da economia e dificultaria a recuperação. Os custos precisam ser alocados com clareza, e a parcela da sociedade menos afetada pela pandemia deveria custear o seguro pago àqueles mais prejudicados pela crise sanitária. Leia a nota O financiamento do auxílio emergencial: medidas excepcionais para tempos excepcionais