15/12/2014
Mesmo nos setores mais avançados, as empresas brasileiras inovam muito pouco e adotam práticas gerenciais arcaicas. Para romper como atraso, é preciso estimular a competição, parando de proteger as grandes empresas, e investir em educação
Aumentar a produtividade é – ou deveria ser – um dos principais objetivos da política econômica no Brasil. O crescimento da economia não se dá mais apenas pela aquisição de máquinas e equipamentos e pela contratação de novos trabalhadores, mas, principalmente, pela incorporação de novas tecnologias no processo produtivo.
É o que chamamos de economia do conhecimento. Nos últimos anos, o Brasil tem crescido, sobretudo, devido à incorporação de novos trabalhadores, com pouco avanço na aquisição de máquinas e equipamentos e com baixo crescimento da produtividade.
É por isso que a taxa de desemprego continua baixa. Mas, por causa disso, e também pela redução na taxa de crescimento da população em idade ativa, não há como manter esse tipo de expansão. Na situação brasileira atual, aumentar a produtividade é fundamental. Como? O crescimento da produtividade se dá por meio da alocação de trabalhadores e parcelas de mercado nas empresas mais eficientes ou mediante o crescimento da produtividade nas empresas. Para que a produtividade cresça, é preciso investir em novas tecnologias ou melhorar os processos de gestão com a adoção de práticas gerenciais modernas. As empresas brasileiras estão muito atrasadas nesses aspectos. As evidências mostram que a empresa brasileira típica inova muito pouco e adota práticas gerenciais atrasadas, mesmo nos setores industriais mais avançados. Isso ocorre, basicamente, por dois fatores. O primeiro é a falta de concorrência no mercado. A economia brasileira é muito fechada e protegida, e uma parte significativa das grandes empresas vive de favores do governo. O segundo é que os trabalhadores são muito pouco escolarizados. Grande parte da força de trabalho cresceu num período em que a educação não era uma prioridade nacional. Assim, os trabalhadores brasileiros têm menos escolaridade do que os dos demais países em desenvolvimento, que são nossos competidores no mercado internacional. Além disso, as avaliações internacionais de aprendizado têm demonstrado que a qualidade de nossa educação está muito abaixo da que prevalece na Europa e em países como China e Coreia, por exemplo.
Várias pesquisas mostram que a inovação e a adoção de práticas gerenciais modernas ocorrem principalmente nas empresas e nos países que têm trabalhadores mais escolarizados. Eles sabem como lidar com novos produtos e ideias, desconstruir técnicas importadas e sugerir novos caminhos inovativos. Mesmo para imitar procedimentos adotados nos países da fronteira, é necessário ter trabalhadores com bons conhecimentos de matemática, língua portuguesa e ciências. Não basta treinar funcionários para que eles desempenhem as tarefas de sempre. Mas somente educação também não é suficiente. É necessário mudar a mentalidade e a cultura nas empresas, para que todos se acostumem com metas especificas para cada setor, promoção com base no mérito, e não na senioridade, e bônus para quem atingir as metas.
Além disso, para elevar a produtividade nas empresas, precisamos aumentar a concorrência nos mercados e parar de proteger as grandes companhias, seja com tarifas de importação, seja com empréstimos subsidiados.
Hoje, faz mais sentido para as empresas ir até Brasília fazer lobby por um tratamento diferenciado do que investir em pesquisa e desenvolvimento. Assim, o processo de realocação da produção e do emprego para empresas novas e mais eficientes, que geram grandes aumentos de produtividade nos Estados Unidos, não funciona corretamente no Brasil.
O custo de entrada e saída de empresas por aqui é muito alto. Ideias que não viram patentes Além disso, é necessário aumentar o esforço de inovação das empresas. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento estão estagnados, apesar de inúmeros programas de incentivo à inovação. Além dos fatores já citados, isso ocorre porque há uma distância enorme entre a academia e o mercado. Grande parte dos recursos gastos pelo governo com P&D é aplicada no ensino superior para a produção de artigos acadêmicos. Entretanto, as ideias geradas por esses artigos não são aplicadas nas empresas, ou seja, não viram patentes. As regras das universidades públicas não permitem que o pesquisador interaja com o setor privado. E o setor privado teme a burocracia das universidades. Assim, as inovações não acontecem. A agricultura deveria servir de exemplo. Nesse setor, a produtividade cresceu a uma taxa anual de cerca de 5% nos últimos 17 anos. Esse desempenho é resultado da introdução de novas técnicas produtivas, decorrentes da aplicação de conhecimento gerado em institutos de pesquisa e na academia. Por que não podemos fazer o mesmo na indústria e no setor de serviços, que tiveram crescimento nulo de produtividade nas últimas duas décadas? Além disso, a educação tem um papel social importante, pois é uma das poucas variáveis que permitem a um país crescer mais rapidamente e, ao mesmo tempo, reduzir a desigualdade de renda e a pobreza.
Desse modo, o investimento em educação é um dos que dão maiores retornos no longo prazo para uma sociedade. Isso é especialmente importante para os países em desenvolvimento, que estão mais atrasados em relação à fronteira do conhecimento e que têm muitos problemas sociais e de criminalidade, como é o caso do Brasil.
Devemos ter em mente que nascer numa família pobre ou rica é uma questão de sorte, não de mérito. Assim, numa sociedade justa, todos devem ter as mesmas condições para competir no mercado de trabalho e liberdade para fazer as escolhas que quiserem na vida, independentemente de sua origem social.
Os mais pobres devem receber ajuda não somente para que a economia possa crescer mas também para que possam ter um papel ativo nesse crescimento, contribuindo com sua produtividade e criatividade.
Assim, o papel do Estado é garantir que todas as crianças pobres recebam educação e atendimento de saúde com a mesma qualidade das melhores escolas e dos hospitais privados. O acesso e a permanência na escola têm melhorado nos últimos anos no Brasil. Por exemplo, da geração nascida em 1970, somente 30% das pessoas tinham atingido pelo menos o ensino médio aos 22 anos. Entre os nascidos em 1990, essa parcela cresceu para 70%, além dos 20% que já estavam cursando o ensino superior com essa idade. Como os filhos das famílias mais ricas normalmente concluem o ensino superior, quem está avançando mais recentemente são os filhos das famílias mais pobres. Isso tem contribuído para a queda da desigualdade de renda observada no Brasil desde 2001. Só o Bolsa Família não basta Programas de transferências condicionais de renda tiveram um papel importante nesse processo. O Bolsa Família tem sido muito bem-sucedido em diminuir a fome e a pobreza das famílias extremamente pobres e em colocar crianças na escola, mas não é suficiente para acabar com a pobreza no país no longo prazo.
Para que isso ocorra, é preciso que as crianças nascidas em famílias mais pobres aprendam matemática, língua portuguesa e ciências nas escolas que frequentam. Isso não está acontecendo. Assim, essas crianças dificilmente conseguirão entrar no mercado de trabalho formal e se livrar da pobreza de forma permanente. Para avançar nossa política social é necessário melhorar a qualidade da educação nas escolas públicas. Como podemos fazer isso? Estudos recentes liderados pelo economista James Heckman, prêmio Nobel em 2000, têm mostrado a complexidade do processo de construção de habilidades ao longo de uma vida. São necessárias habilidades cognitivas (memória, raciocínio) e não cognitivas (estabilidade emocional, extroversão, perseverança). Para o desenvolvimento dessas habilidades há períodos críticos que, se perdidos, dificilmente são recuperados. Assim, para melhorar o aprendizado das crianças, são necessários investimentos e políticas públicas desde os primeiros anos de vida, especialmente nas famílias mais pobres. Investimentos nessa fase são os que trazem maiores retornos econômicos no futuro. Podemos, por exemplo, aproveitar a estrutura dos programas Bolsa Família e Programa Saúde da Família para implantar políticas de desenvolvimento infantil que envolvam a capacitação das mães e o acompanhamento de especialistas.
Assim, se quisermos melhorar a qualidade da escola, diminuir a pobreza, a desigualdade de renda e a criminalidade, ao mesmo tempo em que aumentamos a produtividade das empresas, são necessárias políticas públicas que atuem no desenvolvimento infantil, desde os primeiros anos de vida das crianças.
Além disso, precisamos de políticas educacionais que melhorem os incentivos nas escolas públicas, criando um clima propicio para o aprendizado. Por fim, temos de aumentar a concorrência no mercado e substituir o processo de escolha de campeões nacionais por políticas horizontais de incentivo à inovação, bem como aproximar a academia do mercado.
Só assim conseguiremos melhorar a competitividade das empresas e crescer com mais justiça social.
Publicado em EXAME CEO – Novembro de 2014