O aumento contínuo do valor real do salário mínimo tem causado preocupação entre alguns analistas, pois parece indicar que esteja havendo um descolamento entre o crescimento dos salários e da produtividade na economia brasileira nos últimos anos.
Esse fato teria causado o crescimento da inflação no setor de serviços e enfraquecido o setor industrial, que não teria conseguido repassar esse aumento de custos para os preços, por enfrentar forte concorrência externa, o que estaria diminuindo sua capacidade de investimentos.
Em que medida está mesmo havendo um descolamento entre salários e produtividade no Brasil? Não parece haver evidências convincentes nesse sentido. Em primeiro lugar, é necessário analisar os setores de atividade separadamente. A figura abaixo mostra, em primeiro lugar, que a produtividade só tem crescido de forma consistente na agricultura, tendo dobrado entre 1996 e 2012. Isso ocorreu devido a vários fatores, tais como a liberalização comercial dos anos 90 (que diminuiu a proteção excessiva desse setor), as pesquisas desenvolvidas na Embrapa, que possibilitaram a ocupação produtiva do cerrado, e as novas técnicas de plantio que vêm aumentando continuamente a produção agrícola sem grande aumento na área plantada.
Fonte: Valor Econômico
Um exemplo para o país. Por outro lado, tanto a indústria como os serviços continuam patinando, mantendo praticamente o mesmo nível de produtividade do trabalho de 16 anos atrás, apesar da miríade de incentivos à inovação que vêm sendo oferecidos pelas agências e bancos públicos.
Na verdade, tanto as práticas gerenciais como o esforço inovativo continuam muito atrasados na maioria das empresas industriais e nos serviços. Não há evidências de descolamento entre a produtividade e salários pagos em nenhum setor agregado da economia Os salários médios também aumentaram muito mais na agricultura do que nos outros setores, pois dependem da produtividade do trabalho.
Apesar de empregar menos trabalhadores hoje do que há 16 anos, devido ao continuo processo de mecanização no setor, o aumento da produtividade dos trabalhadores que permaneceram na agricultura provocou forte aumento nos seus salários.
Interessante notar, porém, que os salários que mais aumentaram foram os dos trabalhadores não qualificados. O aumento do valor real do salário mínimo foi fundamental para explicar esse fenômeno. Porém, o salário médio dos trabalhadores qualificados teve grande redução real nos últimos tempos, declinando 36% na agricultura, 30% na indústria e 19% nos serviços. Isso ocorreu porque a oferta desses trabalhadores cresceu num ritmo muito superior ao crescimento da demanda. Nos últimos anos houve grande aumento do número de estudantes com ensino médio completo entrando no mercado de trabalho, assim como de trabalhadores com ensino superior nas áreas de humanas. Apesar de ainda termos carência de formados nas áreas de engenharia, medicina e tecnologia, a baixa taxa de inovações na economia brasileira diminuiu o ritmo de absorção de trabalhadores mais qualificados, o que provocou a queda nos seus salários.
Assim, enquanto o salário mínimo aumentou 111% em termos reais nos últimos 16 anos, o salário médio da economia aumentou somente 23%. Além disso, do ponto de vista econômico, os salários relevantes para sabermos se um setor está mesmo sendo asfixiado pelo aumento de custos são os rendimentos e benefícios efetivamente pagos e deflacionados pelo índice de preços setorial e não pelo índice de preços ao consumidor.
Quando fazemos essa conta (até 2009 aonde os dados permitem), percebemos que os rendimentos pagos aumentaram bem menos em termos reais do que o poder de compra dos salários. Como os deflatores do PIB aumentaram bem mais do que o IPCA entre 2001 e 2009, por exemplo, os rendimentos pagos na indústria caíram 4% em termos reais nesse período (em linha com a queda de produtividade).
No setor de serviços, a produtividade aumentou 4% e os rendimentos pagos 5%. Em suma, os dados mostram que não há evidências de descolamento entre a produtividade e os salários pagos em nenhum setor agregado da economia brasileira nos últimos anos. Na indústria e no setor de serviços, o aumento real de rendimentos pagos foi pequeno, em linha com a estagnação da produtividade. O aumento de salário nesses setores foi repassado para preços, o que tem contribuído para manter a pressão inflacionária. A situação dos trabalhadores menos qualificados melhorou muito devido ao forte aumento do salário mínimo, em tempos de inflação (ainda) controlada pelas importações e aumento de emprego no setor de serviços.
Para continuar aumentando o salário real será necessário aumentar a produtividade na indústria e nos serviços e manter a inflação sob controle.