17/11/2016
Concentrar o olhar na produtividade do Brasil é um caminho, em tempos de crise econômica aguda, para melhorar os patamares de crescimento do país. Por quais razões o Brasil, nas últimas três décadas, em especial, apresenta declínios de produtividade e está cada vez mais distante de países desenvolvidos, dos emergentes, e até mesmo de outras nações em desenvolvimento?
Com o objetivo de interpretar aspectos desta realidade e traçar caminhos para o futuro, sugerindo uma agenda de reformas institucionais e influenciando na revisão de políticas públicas já implementadas, o Centro de Políticas Públicas do Insper (CPP), em parceria com o Banco Mundial, realizou o seminário “O crescimento da produtividade no Brasil”, no dia 27 de outubro.
A proliferação e o longo tempo de vida de pequenas empresas ineficientes no Brasil, o impacto das barreiras não tarifárias, os regimes especiais de tributação implementados por governos locais, a falta de critérios para realização de obras de infraestrutura e as dificuldades de interpretar os impactos da revolução digital na economia foram alguns dos aspectos abordados pelos economistas que podem explicar a baixíssima produtividade brasileira.
“Sem o crescimento de produtividade o país não tem nada a distribuir. É esse o sentido da produtividade. Sem ela vai ser difícil mudar o standard de vida do país e de qualquer brasileiro”, refletiu Mark Dust, diretor do Banco Mundial, ao abrir as discussões. Segundo Dust, é preciso que o tema produtividade seja incluído na pauta das “reformas estruturantes do Brasil”.
O seminário contou com as reflexões e contribuições dos economistas Marcos Lisboa, presidente do Insper, Armando Castelar, Fernando Veloso e Régis Bonelli (Fundação Getúlio Vargas e Instituto Brasileiro de Economia), de Alexandre Messa (Ipea), e de Jorge Arbache (Ministério do Planejamento).
O Brasil tem hoje cerca de 25% da produtividade dos Estados Unidos e nas últimas quatro décadas ainda não atentou para esse grave problema, pontuou Marcos Lisboa. Segundo ele, quando comparamos o país com Índia, China, Estados Unidos e Chile, por exemplo, “o Brasil é o único desastre no gráfico”.
Ainda que tivesse “as fábricas americanas, as estradas americanas e a educação americana”, o país alcançaria apenas 60% da produtividade dos EUA. Segundo ele, a eficiência das instituições e complexidades locais do mercado de trabalho explicariam essa diferença. “Invariavelmente, todos os fatores que medem a eficiência institucional, as regras do jogo, estão correlacionados ao maior crescimento do país ao longo do tempo e à dispersão da renda dos países”, explicou Lisboa. Apenas a diferença de trabalho e educação, desconectadas da realidade institucional de um país, não podem explicar a baixa produtividade.
O presidente do Insper foi ainda mais direto: “Países pobres são pobres porque em média eles fazem mal quase tudo. De serviços de alta e baixa tecnologia, da moderna indústria à agricultura de subsistência. Fazemos pior quase tudo, por isso somos mais pobres”. O problema é que há muita ineficiência e o capital e o trabalho não estão migrando das empresas ineficientes para as eficientes. Segundo ele, nos EUA, por exemplo, ou a empresa cresce ou ela morre. ”
Lisboa concluiu sua apresentação pontuando que, além da agenda fiscal, o Brasil deve olhar para a agenda da produtividade, das microrreformas institucionais, tais como: regulação, segurança jurídica, desenho para mecanismos de crédito, permitir que os mercados possam funcionar melhor, rever entendimentos sobre abertura e fechamento de empresas, reinterpretar regras tributárias (Simples). “E aí é particularmente preocupante porque no caso do Brasil a gente tem uma agenda hoje para prevenir o fechamento de empresas. Vamos salvar empresários que fracassaram em troca de o país ficar mais pobre? É uma escolha que a gente tem que fazer. É a escolha que temos feito na execução da Lei de Falências.”
Para o pesquisador Alexandre Messa, do IPEA, o Brasil não apresenta processo de convergência com o crescimento econômico dos países emergentes e está muito “distante da fronteira”, em particular quando se compara o país com os Estados Unidos e com a China.
Corroborando o aspecto citado por Lisboa, de que o problema é intra-setorial, ele mostrou duas simulações: se o Brasil tivesse a estrutura produtiva da China, a produtividade do trabalho cairia 10%; se tivesse a estrutura dos EUA e da Alemanha, a produtividade do trabalho seria 60% maior. Porém, se fosse mantida a mesma estrutura produtiva do Brasil, mas com cada setor refletindo a produtividade do trabalho semelhante às desses países, o acréscimo poderia ser de 500%. “Indica que o principal problema do distanciamento da fronteira não é tanto de estrutura produtiva do Brasil, mas realmente de produtividade intra-setorial”, concluiu Messa.
Para o economista, é primordial entender o desempenho da indústria ao longo dos anos, até porque já houve no Brasil um debate intenso sobre a chamada “desindustrialização”. Um dos aspectos que explicaria essa queda constante da produtividade na indústria, segundo ele, é o comércio exterior. Sem barreiras tarifárias para insumos, a produtividade cresceria de forma significativa. “Uma redução de 10% nas tarifas de importação de insumos das firmas tende a levar ganho de produtividade de 12%”, disse, com base em estudos e simulações. Esse ganho pode chegar a até 17%. “O Brasil tem a maior tarifa de bens intermediários”, acrescentou.
Ao abordar ainda o peso do lobby nas decisões governamentais, citando pesquisas de Gawande, Krishna e Olarreaga (2009), Alexandre Messa afirmou que “o Brasil é um ponto fora da curva, porque a gente vê um peso muito pequeno do lobby, de 3%”. A tendência é que nos países desenvolvidos esses índices sejam baixos, mas nos países em desenvolvimento, como Brasil, sigam mais elevados. O curioso é que de 2005 a 2015, o peso do lobby subiu para 25%.
“A década de 2000 tem esse peso. A gente vê uma tendência de crescimento, e uma ruptura nítida a partir de 2009, com mudança de patamar.” Em 2010, a influência do lobby subiu para 35%. “E isso tem um sério impacto nas barreiras comerciais. Nem tanto nas tarifas comerciais. Em quase a totalidade dos setores houve crescimento das barreiras não tarifárias sobre os insumos, em cada setor”, afirmou, sugerindo uma revisão da política comercial brasileira.
Se a partir dos anos 2000 o Brasil deu sinais de que poderia superar o quadro de estagnação do crescimento da produtividade, o momento atual é um balde de água fria, com a recolocação do país a patamares da década de 70, alertou o economista Fernando Veloso, da FGV. Ainda que o país tenha passado por várias transformações, e que o nível de escolaridade tenha aumentado, surpreendentemente não há tendência de crescimento.
Veloso salientou ter uma visão semelhante à de Marcos Lisboa, de que a vida longa de empresas ineficientes seria uma das explicações cruciais para a baixa produtividade.
Ele refletiu ainda sobre a alta concentração da mão de obra no setor de serviços (2/3 da mão de obra), o que poderia sugerir um problema de alocação. Para Veloso, esse fator não é o preponderante e não resolveria os problemas. Se o Brasil tivesse a alocação de mão de obra americana ou coreana, teria um maior índice de produtividade, mas não teria nenhuma perspectiva de crescimento. “Isso é importante porque há discussões no Brasil de que o fato de a mão de obra ter ido para serviços reduziu o crescimento.” A dinâmica do crescimento, portanto, não seria tão diferente se houvesse mudança de alocação. Porém, se o Brasil mantivesse a mesma alocação com a produtividade setorial dos EUA, cresceria 500% em produtividade, apontou.
“Temos muitas firmas pequenas e pouco produtivas”, disse. Ele abordou ainda o fato de a escolaridade ser maior exatamente nas firmas formais. “Escolaridade não é uma dimensão adicional. Sem ela, você não consegue formalizar. Os informais, sem escolaridade, não conseguem ser beneficiados com o que a economia formal traz.” Para melhorar o ambiente de negócios, atestou, é preciso pensar no quesito escolaridade. “Qualquer agenda de reformas tem que combinar a melhoria do ambiente de negócios com o capital humano. No Brasil, educação é papel do Ministério Educação, mas vamos ter que pensar nisso de forma muito mais integrada”, concluiu.
“Será que o Brasil só vai crescer mais rápido se for beneficiado novamente pela loteria de commodities? Não necessariamente. O fato é que o Brasil parou de convergir, e há bastante tempo. Como chegamos onde estamos e o que pode ocorrer no futuro?”, indagou o economista Régis Bonelli, do IBRE e FGV, ao início de sua apresentação.
Bonelli alertou para as dificuldades de crescimento do futuro considerando as mudanças demográficas do Brasil e a redução da força de trabalho. Ao fazer projeções para o período de 2016 a 2036, ele salientou: “A população com idade ativa vai crescer pouco menos de 1% ao ano. Para o Brasil crescer mais do que isso, tem que crescer a produtividade”.
Para ele, é intrigante o fato de a produtividade do trabalho na indústria cair a uma taxa de 1,3% ao ano ao longo dos últimos 19 anos. “Alguma coisa está acontecendo que merece ser investigada.”
Em relação à produtividade do capital, considerando a relação entre o PIB e o capital utilizado, Bonelli alertou para o fato de esse índice ter desabado a partir de 2011, atingindo patamares de duas décadas atrás. “Parte desta queda pode estar refletindo decisões equivocadas de política econômica que levaram a um uso ineficiente do estoque de capital.” O congestionamento de investimentos em infraestrutra e o volume significativo de obras inacabadas no Brasil seriam outros dois aspectos a considerar.
Os estudos feitos por Régis Bonelli apontam que o PIB poderia crescer entre 1,7% a 2,6% caso a produtividade do capital cresça entre 0,5% e 1%. Sem aumento da produtividade, a saída seria aumentar o volume de investimentos em relação ao PIB.
A desaceleração da economia global reflete a crise de 2008 e ainda é um debate inacabado, afirmou Jorge Arbache, do Ministério do Planejamento. A queda da produtividade, afirmou, só pode ser explicada considerando fatores cíclicos e estruturais.
Em sua palestra, o economista apontou um aspecto ainda pouco estudado e considerado, que são os problemas da difusão tecnológica. “Uma possível explicação, que acho importante, é o que tenho chamado de comoditização digital, que é essa popularização no uso de recursos digitais.” Tais recursos, acrescentou, estão disponíveis ou de forma gratuita ou a preços muito baixos. “Isso tem levado padarias da Índia a dos EUA a utilizar software de contabilidade criando a suposta ideia que a comoditização digital deveria trazer consigo o aumento da produtividade. Isso não vem ocorrendo.”
O desenvolvimento e gestão de recursos digitais, explicou, está concentrado nas mãos de poucos países e de grandes empresas. “Uma coisa é utilizar recursos digitais, outra coisa é desenvolver e gerenciar. Aqui estaria uma grande fonte de explicação dessas taxas divergentes de produtividade.”
Ele destacou que os padrões de crescimento do Brasil são extremamente voláteis considerando o quadro internacional. “O modelo que a gente vem perseguindo tem problemas graves de sustentabilidade. Talvez uma fonte importante do crescimento da produtividade, em bases mais estáveis, é você conseguir arrumar a casa do ponto de vista macro e micro de tal forma que você possa crescer não a taxas mais elevadas, mas a taxas, ainda que menores, mais sustentadas.”
Último palestrante do seminário, o economista Armando Castelar Pinheiro, da FGV, afirmou que o “Brasil deveria estar investindo algo como 5,5% do PIB na infraesturuta quando na verdade investe, mais recentemente, menos que 2%”. Além disso, acrescentou, “existem enormes evidências de que a gente investe muito mal em infraestrutura”.
Ele citou o caso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujo cerne era não contingenciar investimentos. “O PAC não tinha problema de dinheiro. E ainda assim, quando você olha os números, no setor de transportes dois em cada três projetos atrasaram mais de dois anos”, exemplificou.
Esses atrasos no plano de obras têm relação intrínseca com a produtividade. Se a produtividade do investimento é baixa, a lógica do investimento muda, explicou. “Investimento em infraestrutura é um projeto como outro qualquer. A baixa atratividade dos investimentos em infraestruutra no Brasil tem muito a ver com a baixa eficiência.”
A governança do investimento em infraestrutura é outro aspecto fundamental. Castelar abordou o fato de o Brasil, atualmente, dar prioridade para as PPPs (Parcerias Público-Privadas) sem que haja um mecanismo claro de avaliação desses projetos dentro da estrutura governamental.
Sobre a outra modalidade de investimento, a obra pública, ele questionou os critérios para se escolher um investimento, que “são muito políticos, e não de necessidade para a economia”. Além dos problemas de seleção do projeto, há ainda os desafios para a estruturação da obra e a falta de capacidade do poder público para a fiscalização.
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