10/11/2020
A construção de moradias populares não é uma política nova. Pelo menos desde o final da década de 40, governos têm feito esforços unificados para construir casas para a população de baixa renda. Criado em 1964, o BNH (Banco Nacional de Habitação) foi o maior programa habitacional até a criação do Programa Minha Casa Minha Vida, em 2009. Até dezembro de 2016, o Programa financiou 4,44 milhões de habitações em todo Brasil. Ainda assim, as cidades brasileiras sofrem com o déficit habitacional e com a necessidade de dar boas condições de moradia para sua população.
Para falar sobre moradia, o sétimo episódio de Primeiro Turno, podcast do Insper, conversou com Bianca Tavolari, professora de direto no Insper, Dânia Brajato, pesquisadora da Universidade Federal do ABC, e com Camila Maleronka, pesquisadora do instituto Lincoln.
Tradicionalmente, programas habitacionais focaram na construção e facilitação de créditos para aquisição das casas. Porém, levaram empreendimentos para áreas distantes das regiões centrais e com sem infraestrutura no entorno, como saneamento básico, transporte e escolas.
Para Bianca, hoje, a boa política habitacional não deveria ser reduzida a simples construção de moradias. Ao criar conjuntos habitacionais distantes das cidades, “você acaba produzindo segregação, no sentido de que a pessoa tem onde morar, ela passa a não ter mais uma precariedade habitacional dada do teto, mas o lugar onde ela mora pode ter cortado vínculos com trabalho, creche, escola”.
Um estudo feito pelo Instituto Escolhas em parceria com a Fundação Getúlio Vargas avaliou os impactos do Minha Casa Minha Vida. Um dos resultados da pesquisa é que o programa resultou na construção de moradias, em média, mais distantes das regiões centrais, apesar de existirem áreas mais bem localizadas com terra vaga que poderiam ter sido usadas pra habitação social.
O estudo também indica que o programa se expandiu para áreas periféricas sem ter um plano claro de ampliação da infraestrutura e de serviços urbanos pra essas regiões.
Para lidar com o déficit habitacional, há outras alternativas que não passam pela construção de casas. Os municípios podem, por exemplo, adotar instrumentos para promover o uso de imóveis ociosos em áreas com boa infraestrutura de serviços. Trata-se do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC), do IPTU progressivo e da desapropriação sanção.
Essas medidas são aplicadas de forma sucessiva. A prefeitura deve primeiro notificar o proprietário do imóvel vazio e definir um prazo para que ele dê um uso pra aquele espaço. Se isso não der resultado, o próximo passo é a cobrança de IPTU progressivo, ou seja, aumentar aos poucos o imposto cobrado pela propriedade. Se mesmo assim não houve resultado, o município pode recorrer a desapropriação.
Uma pesquisa publicada em 2017 mostrou que entre capitais e municípios com mais de 100 mil habitantes, 25 regulamentaram o PEUC até 2014. Desse grupo, oito utilizaram a ferramenta. A Dânia é uma das autoras desse estudo.
“O PEUC é um instrumento importante, ele pode, sim, ajudar nessa gestão no território, ele tem esse potencial, mas ele tem que estar articulado com as outras coisas”, afirma Dânia. “Sozinho, a efetividade dele é muito reduzida. Agora, ele articulado com o zoneamento e com programas, eu vejo que ele tem sim um potencial.”
Segundo Camila Marelonka, o planejamento urbano está ligado com a distribuição da valorização do solo. “São basicamente duas fontes de valorização: infraestrutura e norma urbana. O jeito como a infraestrutura e a regulação urbanística são distribuídas na cidade, por assim dizer, vai determinar porque que uma zona vale mais do que a outra.”
Quando o município faz investimentos de infraestrutura, como construção de um corredor de ônibus em um bairro, valoriza aquela região, e os preços dos imóveis podem subir, beneficiando seus proprietários.
A outorga onerosa é uma forma de retornar parte desses ganhos para os cofres da prefeitura. Com esse instrumento, a prefeitura cobra valores adicionais em caso de construções que excedam o limite básico permitido.
Na capital paulista, só no ano passado, esse mecanismo resultou num saldo de R$ 741 milhões. Esse dinheiro vai pro Fundo de Desenvolvimento Urbano, o Fundurb, para ser investido em projetos urbanos.
Outro instrumento semelhante é o CEPAC, um título emitido pelo município que tem o preço definido pelo mercado em leilões regulados pela CVM, a Comissão de Valores Mobiliários.
Quem compra esse título pode utilizá-lo pra construir além do limite básico determinado pela prefeitura dentro de uma área definida como operação urbana. O dinheiro obtido pela gestão municipal com a venda do CEPAC só pode ser aplicado em melhorias urbanas dentro dessa mesma área de operação urbana.
Não perca o sétimo episódio de Primeiro Turno, o podcast do Insper.
O Primeiro Turno terá oito episódios, lançados às terças e quintas-feiras.
Acompanhe todos os episódios aqui!
“Morar Longe: o Programa Minha Casa Minha Vida e a expansão das Regiões Metropolitanas”. Projeto em Parceria CEPESP/FGV e Instituto Escolhas.2019
“A aplicação do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC)”. Rosana Denaldi, Dânia Brajato, Claudia Virginia Cabral de Souza, Henrique Botelho Frota. 2017
Leia também: Podcast Primeiro Turno: o nó das cidades
Tags: #habitação #prefeitura #política pública #Minha Casa Minha Vida #infraestrutura