Em 2017, cerca de 40% das cidades do Brasil não tinham rede de esgoto. Considerando a quantidade de domicílios, quase metade não tinha acesso à rede de saneamento. No caso do Nordeste, esse número é ainda pior e chega a 75% dos domicílios. Por outro lado, 99,6% dos municípios brasileiros têm rede de distribuição de água.
Para entender a disparidade entre esses números e a importância da coleta de esgoto, o quinto episódio do Primeiro Turno, podcast do Insper, conversou com Jerson Kelman, engenheiro civil que já presidiu a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e a ANA (Agência Nacional de Águas), Paulo Furquim, professor titular do Insper e coordenador do Centro de Regulação e Democracia, e Priscila Claro, professor associada e Coordenadora de Responsabilidade Social e Extensão do Insper.
A gestão dos recursos hídricos do país, ou seja, a definição do quem coleta e joga água nos rios e demais fontes de água, cabe à União ou aos governos estaduais. A coordenação do uso desses recursos é importante para evitar o uso desordenado que pode levar a exaustão do recurso coletivo. Cabe às gestões municipais respeitar essa coordenação do uso e prover rede de abastecimento de água encana e coletar o esgoto os domicílios.
Hoje, grande parte dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto está nas mãos de empresas públicas. Segundo Jerson Kelman “os governos, seja federal, estaduais e municipais, não têm mais a menor capacidade de fazer os investimentos. Grande parte do problema é porque as empresas e as entidades prestadoras de serviços têm baixa produtividade, quer dizer gasta-se muito no custeio e entrega-se pouco”.
O novo marco do saneamento básico, sancionado em julho de 2020, altera exatamente essa “exclusividade” na provisão dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto.
Efeitos na saúde
Em estudo publicado em 2018, Paulo Furquim e Carlos Saiani analisam como a privatização dos serviços de saneamento básico em 189 municípios entre 1995 e 2008 afetou a qualidade do serviço, medida pelas condições de saúde da população. Segundo Paulo, “a literatura é muito consolidada de que o saneamento afeta a saúde em itens muito precisos: são doenças relacionadas à água, a diarreia é um dos exemplos”.
Os resultados do estudo indicam que os municípios que fizeram a privatização da rede de distribuição apresentaram redução nas internações hospitalares e na mortalidade por doenças relacionadas à água. Paulo destaca que “esse é um mérito sobretudo do município, não tanto da empresa. É o município que pensou o processo de concessão para a iniciativa privada e viabilizou o investimento”.
Efeitos políticos
Para entender quem se beneficia com a privatização, Paulo e Carlos analisaram, em outro estudo, as cidades brasileiras entre 1991 e 2010. Com a concessão, o acesso ao saneamento aumentou para a população em todas as faixas de renda, e principalmente nos municípios mais pobres.
Esse efeito da privatização, porém, “só ocorre em saneamento, não ocorre em água. Tem um mecanismo que está ali por trás que do ponto de vista político que oferecer a água tem um retorno em termos eleitorais muito interessantes. Então, a empresa pública ela tem um viés de dar mais acesso à água do que a empresa privada”, explica Paulo.
Em outro estudo, a dupla de pesquisadores encontra evidências de que prefeitos tendem a privatizar os serviços de saneamento e abastecimento se tiverem menos chances de serem reeleitos. E a explicação é que ao fazerem isso reduzem o poder político do sucessor, que deixa de ter nas mãos um mecanismo para empregar pessoas, perdoar dívidas ou adiar o reajuste de tarifas.
Efeitos ambientais
Em um projeto que tinha como objetivo conscientizar pessoas a despoluir o rio Pinheiros, na cidade de São Paulo, Priscila Claro foi parar em uma das nascentes do rio, no Grajaú, zona Sul da cidade. Chegando lá ela entendeu que “grande parte das nascentes, que fazem parte de áreas de preservação, elas estavam na verdade em situações de risco por conta de invasões ilegais de áreas, não só áreas privadas, mas também áreas públicas para fins de moradia”.
Em um estudo sobre as invasões em outras duas áreas de preservação ambiental nas regiões de Capela do Socorro e Parelheiros, na zona sul de São Paulo, Priscila mostra um aumento dessas ocupações nos últimos anos. Além disso, explica por que os munícipios deveriam proteger esses territórios e como o crescimento desordenado tem repercussões que ganham proporções maiores. ”Um problema ambiental local ele não vai ser ruim só para quem está no local, porque o ecossistema se conecta. No caso do rio, a poluição chega aqui.”
Para promover melhores condições, não apenas para os moradores das ocupações, mas para a população como um todo, Priscila sugere que as prefeituras deveriam cumprir as regras de ocupação e uso do solo e fazer valer a proteção das áreas de preservação.
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O Primeiro Turno terá oito episódios, lançados às terças e quintas-feiras.
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Referências
“Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2017: Abastecimento de água e esgotamento sanitário”. IBGE
“Is privatization of sanitation services good for health?”.Carlos Saiania e Paulo Furquim. 2018
“Público versus Privado: Efeitos das Privatizações sobre o Acesso e a Equidade do Acesso a Serviçosde Saneamento Básico no Brasil”. Rafael Terra de Menezes, Carlos Saiani e Paulo Furquim de Azevedo. (2014)
“Pressão por Moradia e o Impacto no Desenvolvimento Socioambiental em Centros Urbanos”. Priscila Claro. 2018.