29/10/2020
A primeira infância, que vai do nascimento até os 6 anos de idade, é uma etapa crucial. Pesquisas mostram que investir nesses primeiros anos da vida tem repercussões no desenvolvimento socioemocional da criança, aumenta as chances de conclusão das demais etapas de ensino e contribui para o desempenho em matemática.
O quarto episódio do Primeiro Turno, um podcast do Insper, conversou com a gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim, e com o economista Flávio Cunha, professor da universidade de Rice, nos Estados Unidos. Com dados e exemplos de experiências de políticas para a primeira infância, eles contam como as creches (0 a 3 anos) e a pré-escola (4 e 5 anos), que são etapas educacionais de responsabilidade dos municípios, influenciam o desenvolvimento nos primeiros anos de vida.
Nos últimos anos, o acesso à creche e à pré-escola aumentou no Brasil. Segundo dados do Observatório do PNE (Plano Nacional de Educação), em 2008, 23% das crianças de até 3 anos de idade estavam em creches. Dez anos depois, essa fatia subiu pra 36%. Também houve crescimento no caso de crianças de 4 a 5 anos na pré-escola. A parcela passou de 81% pra 94% nos mesmos anos.
“Muitas vezes nas campanhas eleitorais e nos debates a questão da primeira infância aparece apenas com a vaga na creche”, afirma Beatriz. “E a gente sabe que apenas a vaga na creche não garante o desenvolvimento pleno dessa criança. A gente precisa de ações integradas com a saúde principalmente que garantam um apoio para essas famílias com crianças pequenas e que permitam que essa criança se desenvolva de forma saudável”. Segundo Beatriz, apesar dos avanços no acesso, sabe-se pouco sobre a qualidade da educação infantil no Brasil. Alguns estudos, no entanto, ajudam a compor um retrato.
A Beatriz é uma das autoras de um estudo que avaliou a qualidade de 147 creches em seis capitais: Belém, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, Rio de Janeiro e Teresina. O trabalho foi publicado em 2011.“Infelizmente, os dados do estudo não foram bons, principalmente no que diz respeito às práticas pedagógicas, mostraram práticas pedagógicas muito empobrecidas e algumas diferenças regionais.”
Recentemente, em parceria com o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Economia Social da USP Ribeirão Preto, a fundação Maria Cecilia Souto Vidigal adaptou uma iniciativa, promovida pela Unesco, Unicef e outras instituições, que permite aos gestores municipais ter um retrato da rede escolar. O instrumento já foi aplicado nas cidades de São Paulo, Sobral (CE) e Boa Vista (RR).
No ano que vem, a fundação pretende expandir a avaliação para 12 cidades.
Quando a qualidade do serviço educacional é baixa, as crianças passam a correr o risco de sair dessa fase de ensino sem atingir todo o potencial de desenvolvimento cognitivo e socioemocional, segundo o Flávio Cunha.
Um dos fatores que interfere nesse processo é a capacitação dos professores. O economista cita como exemplo os resultados de uma pesquisa que está conduzindo no Texas, nos Estados Unidos. “É chocante o que eu vou falar, mas a gente vê nos nossos dados: a gente paga mais para a pessoa que toma conta do carro no aeroporto do que pra pessoa que toma conta dos nossos filhos. Você já pensou o que é isso manda de sinal pro quanto a gente valoriza o desenvolvimento infantil?”.
A qualificação dessa mão de obra é necessária, segundo ele, para que bons currículos possam ser postos em prática.
Já em relação aos currículos possíveis, Flávio menciona experiências na Tailândia e no Brasil. Neste último caso, ele se refere a uma experiência em Caucaia, no Ceará. “É um currículo que é para formação humana, de socioemocional, é algo que as crianças também estão começando a aprender que ‘ah, tá as outras pessoas que têm o seu próprio pensamento’, ‘os pensamentos das outras pessoas são diferentes do meu pensamento’”.
A educação, porém, não é a única política de primeira infância. De acordo com o Flávio, devem ser pensadas também ações para evitar casos de negligência e abuso e medidas para solucionar a falta de saneamento básico. “O que existe na verdade é que crianças estão em risco para desenvolver certos aspectos de capital humano e esses aspectos de capital humano eles têm um período sensível de desenvolvimento na primeira infância. Se a gente não fizer isso na primeira infância, é muito mais difícil atacar isso mais tarde”.
Não perca o quarto episódio do Primeiro Turno!
O Primeiro Turno terá oito episódios, lançados às terças e quintas-feiras.
Acompanhe todos os episódios aqui!
“Uma avaliação do Impacto da Qualidade da Creche no Desenvolvimento Infantil”. Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho, Samuel Franco, Rosane Mendonça, Andrezza Rosalém (2011)
“A relação entre educação pré-primária, salários, escolaridade e proficiência escolar no Brasil” Andréa Zaitune Curi e Naércio Aquino Menezes -Filho (2009).
“A contribuição da educação infantil de qualidade e seus impactos no início do ensino fundamental” Maria Malta Campos, Eliana Bahia Bhering, Yara Esposito, Nelson Gimenes, Beatriz Abuchaim, Raquel Valle, Sandra Unbehaum (2011).
“The Impact of Daycare Attendance on Math Test Scores for a Cohort of Fourth Graders in Brazil” Cristine Campos de Xavier Pinto,Daniel Santos, Clarissa Guimarães (2016).
“Impacto dos espaços de desenvolvimento infantil no primeiro ano na pré-escola”. Mariane C. Koslinski, Tiago Lisboa Bartholo (2019).
“Educação Infantil em Boa Vista: Medindo Qualidade e Resultados na Educação Infantil-2019″. Camila Martins de Souza Silva, Daniel Domingues dos Santos, Henrique Lima de Siqueira, Izabelle Marques Silva de Carvalho, Jaqueline França Natal, João Pedro Souza Lavinas, Laura Duarte Ogando, Priscila Carvalho de Castilho, Rayssa Helena de Souza Lemos
“Formulating, Identifying and Estimating the Technology of Cognitive and Noncognitive Skill Formation”. Flavio Cunha e James J. Heckman (2008)
Site Primeira Infância Primeiro
Site Núcleo Ciência Pela Primeira Infância
Leia também: Podcast Primeiro Turno: as cidades e o SUS
Tags: #educação #primeira infância #creche #pré-escola #política pública