Como andam as contas das cidades brasileiras? O último episódio do Primeiro Turno, um podcast do Insper, traz um retrato das finanças locais com base em um levantamento feito pelo pesquisador Marcos Mendes, do Insper.
Para discutir os principais resultados, reunimos Mendes e os economistas Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Mariana Almeida, professora do Insper e superintendente da Fundação Tide Setubal.
O episódio conta ainda com a participação de José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Columbia. O economista conta qual deve ser o papel do poder público no processo de transformação das cidades.
“Uma cidade é cheia de externalidades”, afirma Scheinkman, “tem muita coisa que interage e essas interações são importantes e uma coisa ruim pode interagir e destruir muita coisa boa, e uma coisa boa pode interagir e melhorar muita coisa que estava ruim. A definição disso só pode ser feita ao nível do poder público”.
Para o economista, os governos também devem avaliar quais funções ele pode apenas incentivar, em vez de atuar diretamente. “Tem certas atividades que o poder público não precisa fazer e nem vai ser muito bom de fazer. Nesses casos é melhor o setor público simplesmente dar as diretivas.”
O economista destaca ainda a importância de gestores observarem o que está funcionado em outros municípios e replicar as boas práticas. “O que as cidades que funcionam mal deveriam fazer é copiar os sistemas que funcionam bem”, acrescenta Scheinkman.
Orçamento
“Os municípios são muito bem aquinhoados na partilha de recursos entre União, estados e municípios, eles foram os grandes vencedores do pacto fiscal federativo que se fez com a Constituição de 88”, afirma Marcos Mendes. “Aumentou muito a transferência para os municípios e aumentou razoavelmente a autonomia tributária deles.”
O panorama é importante para entender o quadro das finanças dos municípios antes da chegada da pandemia de Covid-19. “Ao contrário dos estados, que estavam quebrados, os municípios estavam em boa forma. A maior parte deles com superávit fiscal, com superávit primário, com razoável nível de caixa”, afirma Mendes.
Com a crise desencadeada pelo novo coronavírus, houve então a distribuição de recursos para ajudar gestões estaduais e municipais. “Os municípios receberam só em dinheiro o equivalente a 10% da receita de que eles dispõem no ano inteiro”, diz Mendes. “É muito dinheiro, algo como R$ 55 bilhões, e acabaram não gastando boa parte justamente porque o Fundo de Participação dos Municípios foi usado como critério para dividi-lo.”
Com isso, cidades pequenas acumularam caixa.
Qualidade do gasto
O aumento do gasto público, por outro lado, dá indícios de um problema do país, na avaliação de Marcos Lisboa. “A grande tragédia brasileira do setor público é que a gente gasta mal em geral. Tem exceções. O SUS, por exemplo, funciona bem. Você tem algumas ilhas de excelência no setor público, mas, em geral, a gente gasta muito e o dinheiro não vira benefício pra sociedade, o dinheiro se perde no meio da máquina.”
Para Lisboa, falta uma discussão acerca do foco das ações de governo. “Você deveria medir a política pública não por quanto você gastou, mas por quanto a qualidade de vida das pessoas melhorou”, explica ele. “Esse deveria ser o critério para avaliar os prefeitos. O bom prefeito não é o que gastou mais, é o que gerou mais resultado.”
O economista considera ainda que uma parcela dos problemas pode ser atribuída a uma “relação muito torta” com o setor público. “Nós temos uma sociedade que normalizou a distribuição a miúdo, a granel, de benefícios públicos. Temos relação com o Estado brasileiro que é de pedido de favor, de pedido de ajuda. Isso vale tanto na parte da arrecadação dos tributos quanto na parte dos gastos.”
Planejamento
“Política pública não é quem leva mais recurso. É como é que eu organizo esse recurso para entregar mais daquilo que dá para entregar num determinado período”, afirma Mariana Almeida.
Na avaliação dela, existem ferramentas orçamentárias para os prefeitos tornarem o gasto público municipal mais eficiente e entregar mais para a população em um mandato de quatro anos.
Nesse processo, as administrações municipais devem levar em conta a realidade de cada local. “A gente tem uma deficiência em termos de bons serviços públicos que é histórica, tem problemas de desigualdades que são históricos. Se você assumir um compromisso em melhorar todos os seus indicadores em tudo, em quatro anos, esse compromisso não vai se realizar”, diz Mariana.
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Referência
As finanças municipais em 2020 (Marcos Mendes, 2020).