Ensino remoto gera perda de aprendizagem em português e matemática
Estudantes da rede pública iniciaram o atual ano letivo com menor desenvolvimento em língua portuguesa e em matemática em decorrência da substituição do ensino presencial pelo remoto durante a pandemia de coronavírus. Essa perda de proficiência deve levar à redução de rendimentos ao longo da vida. E, se mantido o atual modelo de aulas, o quadro pode piorar. As repercussões da mudança forçada pela Covid-19 são investigadas no estudo “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, elaborado pelos professores Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado, do Insper, em parceria com o Instituto Unibanco. O trabalho concentra-se no desempenho de terceiranistas, para quem são menores as chances de recuperar o aprendizado perdido ao longo da crise sanitária, uma vez que estão prestes a encerrar a educação básica. Simularam-se diferentes cenários: o do início deste ano, produto de um 2020 com poucas aulas presenciais e muitas remotas; outro em que se manteria o formato remoto até o fim deste ano; e um terceiro, em que ocorreria a adoção de algum modelo alternativo ao remoto, bem como medidas de reforço e recuperação do aprendizado. O modelo desenvolvido pelos pesquisadores para efetuar as simulações compreende tanto dados nacionais quanto de estudos acerca de experiências no exterior. Uma das fontes é o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que oferece um retrato dos níveis de aprendizado no país. Seus indicadores, representados em uma escala de pontuação, provêm de testes e de questionários aplicados em escolas públicas e de uma amostra de colégios privados. Já a distribuição do aprendizado no ensino médio considerou informações de outros dois sistemas: o de Avaliação Educacional do Piauí (Saepi) e o Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece). Em ambos, o desempenho em língua portuguesa e matemática é aferido nas três séries. A análise da evolução da proficiência em um ano letivo, por sua vez, teve como referência parâmetros tratados na pesquisa “The Learning Curve: Revisiting the Assumption of Linear Growth Across the School Year”. Neste trabalho, dados de testes de mais de 7 milhões de alunos de escolas públicas americanas sugerem a desaceleração do aprendizado em matemática e sobretudo em linguagem ao longo de séries. Na metodologia do estudo do Insper em parceria com o Instituto Unibanco, também foram consideradas as perdas em períodos de férias escolares, que correspondem a 25% e a 28% em língua portuguesa e matemática, respectivamente, em relação ao aprendizado de todo o ano letivo anterior. Ensino remoto X presencial Dados das redes de cada estado e do Distrito Feral permitiram aos pesquisadores apurar que, em 2020, apenas 13% do ano letivo, em média, se deu com atividades presenciais. Os demais foram cumpridos…
Glifosato associa-se a mortalidade infantil rio abaixo
A disseminação do glifosato, pesticida mais vendido no Brasil, nas lavouras de soja de 2004 a 2010 vincula-se à deterioração de indicadores de saúde de recém-nascidos em cidades rio abaixo que recebem água das regiões sojicultoras. Municípios nessa situação do Centro-Oeste e do Sul registraram alta de 5% na mortalidade infantil, 503 óbitos anuais a mais ao todo. No trabalho “Down the River: Glyphosate Use in Agriculture and Birth Outcomes of Surrounding Populations” (rio abaixo: uso de glifosato na agricultura e indicadores de nascimento das populações vizinhas), os pesquisadores Mateus Dias (Universidade de Princeton), Rudi Rocha (FGV) e Rodrigo Soares (Insper) chegam a essas conclusões pela análise de dados agrícolas, sanitários, geográficos e socioeconômicos das duas regiões que concentram a produção de soja no Brasil. O glifosato ganhou proeminência no Brasil a partir da safra de 2004, semeada nos últimos meses de 2003, quando medidas provisórias do Executivo federal legalizaram o plantio de soja geneticamente modificada. A inovação disseminou-se depressa porque alavancou a produtividade da sojicultura, e essa escalada foi acompanhada pelo glifosato, complementar à soja transgênica, a qual é resistente ao pesticida. De 2000 a 2010 a venda do glifosato triplicou para 128 mil toneladas. A marcha seguiu na década seguinte, e em 2019 foram comercializadas 217,6 mil toneladas, pouco abaixo da soma dos nove outros agrotóxicos e componentes ativos mais vendidos no país. A biossegurança do glifosato depende de características do solo e dos cursos d'água. Estudos detectaram sua presença e persistência em fontes hídricas na cercania imediata e distante de regiões produtoras. Outras análises demonstram a capacidade do glifosato, mesmo em pequenas doses, de prejudicar a gestação ao atingir a placenta e o nascituro. Mateus, Rudi e Rodrigo se baseiam nessas informações para avaliar a hipótese de que a disseminação do glifosato a partir de 2004 deteriorou as condições de saúde dos nascimentos em municípios que recebem água de rios de regiões com cultivo de soja. O trio confirmou a conjectura —um efeito nocivo difuso anual de US$ 583 milhões se contabilizado o potencial econômico das vidas perdidas— com uma série de providências para certificar-se de que outros fatores não interferiram no resultado. Veja como os pesquisadores responderam a alguns desafios que poderiam enfraquecer ou anular suas conclusões. 1 A piora dos indicadores de saúde ao nascer ocorreu em municípios a jusante das regiões sojicultoras, mas não nos que ficam a montante delas. Para determinar a posição de cada município ao longo dos cursos d'água, foi utilizado o catálogo de bacias de drenagem elaborado pelo método desenvolvido pelo engenheiro Otto Pfafstetter (1923-1996) e adotado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. 2 Indicadores de saúde materno-infantil,…
Imunidade tributária contribui para multiplicação de igrejas evangélicas
Sem a isenção de pagamento de impostos, boa parte das igrejas pentecostais abertas no Brasil entre 1992 e 2018 não existiria. E, sem elas, candidatos à Câmara dos Deputados teriam conquistado menos votos nas últimas décadas. As hipóteses de cenários em que a imunidade tributária inexiste são investigadas pelos professores Raphael Corbi, da USP, e Fábio Sanches, do Insper, no estudo “The Political Economy of Pentecostalism: A Dynamic Structural Analysis”. Assegurado pela Constituição, o benefício alcança templos de qualquer culto. Segundo os pesquisadores, concessão do mesmo gênero se repete em nações europeias e nos Estados Unidos, onde, em 2012, estimava-se que chegasse a US$ 71 bilhões anuais. Os economistas concentram sua análise no impacto da imunidade na expansão de pentecostais, que se multiplicaram expressivamente no país dos anos 1990 para cá. Entre os exemplos de denominações estão a Assembleia de Deus e a Universal do Reino de Deus. O modelo teórico utilizado pela dupla indica que, se as pentecostais tivessem sido taxadas a partir de 1992 em 34%, alíquota média imposta a empresas, a quantidade de templos verificada no país em 2018 seria 74% menor. Num cenário sem isenção, templos deixariam de dispor de parte de seus recursos, culminando eventualmente em seu fechamento. Outros, por sua vez, nem chegariam a ser inaugurados diante da perspectiva de arcar com os tributos. A taxação não teria, entretanto, impacto expressivo nas contas públicas. A aplicação de alíquotas de 10% a 40% sobre o rendimento resultaria na arrecadação de R$ 3,4 bilhões a R$ 5,8 bilhões anuais, montantes inferiores a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Para esses cálculos, foram consideradas estimativas de receita das igrejas feitas pelo Fisco. Segundo os pesquisadores, ainda que possam estar subestimados, os dados da Receita sugerem um potencial de arrecadação baixo. Já reflexo maior seria sentido na representação no Legislativo. Essa mesma taxação de 10% a 40% e a redução de templos implicariam a queda de 13% a 27%, em média, da fatia de votos recebidos em eleições por deputados federais da Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Outro exercício apresentado no estudo ajuda a entender melhor por que desse efeito. Corbi e Sanches constataram uma relação de causalidade entre a abertura de templos pentecostais e o desempenho eleitoral de integrantes da frente. Até dois anos após a inauguração de um templo, estima-se um aumento de três pontos percentuais na votação em candidatos do bloco naquele município. Depois de três anos ou mais, atinge dois pontos percentuais. Um dos fatores que pode estar associado a esse impulso seria o maior comparecimento de eleitores evangélicos. Além disso, segundo pesquisa Datafolha mencionada no estudo, evangélicos frequentam suas igrejas com mais assiduidade…
Pandemia abre oportunidade para o ‘cientista-encanador’
A eclosão da crise sanitária exacerbou a necessidade dos governos de orientações para tomar decisões tempestivas sobre um fenômeno mal conhecido. Ganharam relevo interações entre cientistas e autoridades pautadas na adaptação paulatina seja às informações da ciência sobre a epidemia, seja às limitações materiais e políticas para as respostas governamentais. Esse é o papel do cientista como encanador, na imagem criada pela Nobel de Economia Esther Duflo e recuperada por Milton Seligman e Hussein Kalout no capítulo dedicado à relação entre ciência e política pública do livro “Legado de uma Pandemia”, lançado pelo Insper. A atenção do comando político à orientação do saber científico, argumentam os autores, foi um dos fatores a mitigar os danos da doença infecciosa no Canadá, na comparação com os Estados Unidos. Até 1º de março de 2021, as mortes por Covid-19 registradas em solo canadense, em relação a sua população, eram menos da metade dos óbitos no país vizinho. A assintonia entre a liderança eleita e as recomendações científicas, em meio ao relativo desapego da sociedade à observação das normas e à desconfiança na ciência, também marcou a resposta no Brasil, afirmam Seligman e Kalout, que não obstante elencam algumas sugestões no sentido de aproximar a política pública brasileira da orientação embasada, não só em situações de crise. As sugestões estão concentradas em cinco eixos: adotar mecanismo segmentado de formulação de programas, que parta do diagnóstico, defina os indicadores de avaliação e chegue à implementação; prever faseamentos de adaptação e testes antes de expansões da política pública, submetendo-a a avaliação técnica externa; rever os métodos de contratação para privilegiar o atendimento de objetivos pactuados; aperfeiçoar os mecanismos de responsabilização dos agentes de modo a abarcar experimentações, fracassos não intencionais e mudanças de curso; e organizar e disponibilizar os dados de modo universal e eficiente. Leia o livro "Legado de uma Pandemia"
Saúde requer mais coordenação, pesquisa e vigilância contra epidemias
A pandemia de coronavírus colocou sob teste a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) de responder a uma crise simultânea em todo o território nacional. O saldo, segundo escrevem os pesquisadores Elize Massard da Fonseca e Francisco Inácio Bastos no livro “Legado de uma Pandemia", lançado pelo Insper, deixou evidente uma série de lacunas a preencher. Considerado um exemplo de programa público em países emergentes, o SUS desenvolveu alguns mecanismos de vigilância epidemiológica ao longo dos últimos anos. Em 2003, em razão da gripe aviária, criou-se o primeiro plano nacional de contingência da influenza. Mecanismos de consolidação de notificações, como o Sivep-Gripe (unidades-sentinela) e o Sinan Influenza (casos e óbitos de síndrome respiratória aguda grave), facilitaram o acesso tempestivo a dados. Mesmo com essa estrutura ativa, a chegada da pandemia ao Brasil encontrou os governos federal, estaduais e municipais em descoordenação, o que dificultou a resposta ao avanço da Covid-19. Autoridades federais minimizaram os riscos da infecção, patrocinaram tratamentos sem eficácia comprovada e investiram contra as medidas de distanciamento e prevenção preconizadas pelas melhores práticas. A maior carga das ações antipandêmicas recaiu sobre as administrações subnacionais, ainda assim com disparidade entre elas. Nem todas, por exemplo, instituíram um comitê de crise para orientar, com base em evidências científicas, as condutas dos gestores públicos. Dentre as lições a serem absorvidas com a emergência sanitária do coronavírus, os autores ressaltam a necessidade de reforçar ainda mais a vigilância epidemiológica no país –num modelo descentralizado inspirado nos CDCs dos Estados Unidos–; esclarecer as linhas coordenadas da ação de União, estados e municípios durante surtos infecciosos; ampliar o financiamento e o incentivo à pesquisa na área de doenças emergentes; e assegurar que as respostas sejam orientadas unicamente por evidências científicas e sanitárias. Leia o livro "Legado de uma Pandemia"
Pandemia ameaça aprofundar desigualdades no Brasil
Ao reagir para mitigar a transmissão do novo coronavírus, a sociedade e os governos brasileiros fecham escolas e reduzem a atividade dos trabalhadores. Em razão disso, crianças e adolescentes vulneráveis e a população não-idosa, já preteridos na partilha da renda nacional e das transferências públicas, tendem a ficar ainda mais para trás. No livro “Legado de uma Pandemia”, lançado pelo Insper, Naercio Menezes Filho, Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado discutem as repercussões educacionais e intergeracionais da pandemia no país. Também apresentam sugestões para combater seus desdobramentos indesejáveis na desigualdade social. Quando o sistema de ensino interrompe abruptamente a instrução presencial de dezenas de milhões de crianças e adolescentes e passa a operar a distância, os efeitos sobre o aprendizado dos estudantes variam fortemente conforme a inserção socioeconômica, escreve Naercio. Quanto mais vulneráveis, pior tenderá a ser o seu desempenho. Habitações precárias, com baixo acesso a infraestrutura sanitária e alta densidade de pessoas sob o mesmo teto, tornam-se ambientes hostis à boa evolução das habilidades cognitivas na primeira infância (0 a 6 anos). Insegurança na renda familiar, ao que a população pobre está desproporcionalmente exposta, também é fator de risco. Sem apoio de creches e educadores especializados, que contribuem também na nutrição, e com o fim do auxílio monetário emergencial, crianças pequenas estarão submetidas a condições ainda mais adversas ao desenvolvimento intelectual e emocional. Na ausência de políticas corretivas, os danos à renda e à saúde dessa geração tendem a ser perenes. Os prejuízos para os alunos vulneráveis do ensino fundamental ao médio relacionam-se ao acesso restrito às ferramentas da instrução a distância, bem como à baixa capacidade de pais ou responsáveis de incentivar e colaborar com o aprendizado domiciliar. Naercio sugere que equipes da Estratégia Saúde da Família, presentes em 98,4% dos municípios, passem a instruir os pais também sobre o desenvolvimento educacional dos filhos, em especial na primeira infância. A expansão do Bolsa Família, maior para lares com crianças pobres, e a definição de um plano eficaz de recuperação imediata do aprendizado para a volta às escolas também integram as sugestões do pesquisador. Outro aspecto da desigualdade brasileira que pode piorar com a passagem da crise sanitária é a desproteção relativa dos segmentos jovens e em idade de trabalhar nas políticas de transferências de recursos governamentais. O gasto público per capita com idosos no Brasil é seis vezes a despesa com crianças, adolescentes e jovens –em 30 países avaliados pela Cepal, braço das Nações Unidas para a América Latina, nenhum outro ultrapassa a marca de quatro vezes nessa comparação. Ricardo Paes de Barros e Laura Muller argumentam que o esforço de toda a…
Entenda o método usado no teste de vacinas contra a Covid-19
No fim de 2020, a revista New England Journal of Medicine publicou o estudo que explicava a eficácia de 95% atingida pela vacina desenvolvida pelas empresas Pfizer e BioNTech contra a Covid-19. Por trás do cálculo da porcentagem está um teste que reuniu 43.548 pessoas com mais de 16 anos. Elas foram selecionadas e divididas em dois grupos, um tratado com doses da droga verdadeira e outro com uma versão sabidamente neutra. Da análise dos dados resultantes desse processo, estimou-se a efetividade da vacina no combate à doença. A breve descrição sintetiza um experimento aleatório controlado –em inglês, “randomized controlled trial”, o que explica a sigla RCT. Também foram submetidas ao procedimento vacinas como a da Moderna e a da Oxford/AstraZeneca, com 94,1% e 76% de eficiência, respectivamente. Recorrente na comunidade científica, o método oferece a vantagem de assegurar a comparabilidade entre quem recebe e quem não recebe determinada intervenção –um medicamento ou uma política pública, por exemplo. Com isso, é possível inferir corretamente os efeitos do objeto do estudo, desconsiderando (ou isolando, como pesquisadores costumam citar) fatores que poderiam influir no seu resultado. Confira, abaixo, os principais pontos que envolvem esse tipo de procedimento. Voluntários são recrutados e divididos em grupos O laboratório convida interessados em participar de um experimento aleatório controlado para analisar a eficácia de uma vacina contra a Covid-19. Separam-se os voluntários, de forma aleatória, em 2 grupos. Isso é feito por meio de um sorteio, para assegurar que os grupos tenham características semelhantes antes de iniciar o testes. Comparação da taxa de contaminação entre grupos semelhantes Acompanha-se o quadro clínico dos voluntários, que desconhecem de qual grupo fazem parte e, portanto, que dose recebem. O objetivo é comparar o que ocorre, em um certo período, em grupos semelhantes, com a diferença que em um deles há acesso à vacina e no outro, não. A quantidade de infectados no grupo controle reflete o que aconteceria na ausência da vacina. E a diferença da quantidade de infectados entre os dois grupos reflete quantas pessoas deixaram de ter a doença por causa da vacina. A eficácia é obtida dividindo-se diferença da quantidade de infectados pela quantidade de infectados no grupo controle Por que é importante recorrer ao RCT? O que aconteceria, por exemplo, se todas as pessoas que se voluntariassem fossem tratadas com a vacina e um grupo da população, que não se voluntariou para o experimento é usando como grupo de comparação? Neste caso, o grupo de voluntários e a parcela da população usada para comparação podem ter características diferentes em relação à exposição ao vírus. Não seriam, portanto, comparáveis. Eficácia não será calculada corretamente se os…
Desenvolver noção de pluralismo pode reverter ‘desertos de notícias’
Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.280 não têm qualquer veículo jornalístico local: nenhum jornal, revista, emissora de rádio ou TV, site, blog informativo. Eles são “desertos de notícias”. Isso é resultado de diversos fatores econômicos, históricos, políticos, culturais que tornaram imensas áreas do país desprovidas de instrumentos que permitam a seus cidadãos se manter a par, de forma sistemática e independente, dos fatos que ocorrem em suas próprias comunidades. Este é o tema de um capítulo de livro da série Companion da editora Routledge, que trata de mídia e jornalismo locais em diversos países e que tem como coautor o professor do Insper Carlos Eduardo Lins da Silva, ao lado da jornalista Angela Pimenta. A série “Routledge Companion” reúne contribuições-chave em áreas específicas do saber com a perspectiva de analisar tendências atuais por meio de uma visão internacional, como diz a editora, fundada em 1836 na Grã-Bretanha. Os dois autores do texto sobre o Brasil foram presidentes do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), entidade fundada por Alberto Dines, um dos principais jornalistas brasileiros do século passado. No Projor, Lins da Silva e Pimenta lideraram outra idealização de Dines, o projeto Grande Pequena Imprensa (GPI). O artigo que eles escreveram para o Routledge Companion é em grande parte o resultado da pesquisa e da prática que ambos realizaram nesse período, na década de 2010. O GPI partiu do pressuposto de que não pode haver democracia vigorosa sem um jornalismo independente, diversificado, identificado com as aspirações das pessoas em todos os segmentos e quadrantes do território nacional. A concentração dos meios de comunicação em poucas regiões só pode ser atenuada e revertida quando na base da pirâmide for desenvolvida a noção de pluralismo. Nas sociedades com instituições consolidadas, a presença de uma imprensa local ativa e sustentável tem sido apontada como fundamental para a democracia. Na maioria das cidades e estados brasileiros fora dos eixos mais ricos, os veículos de comunicação enfrentam historicamente dificuldades para sobreviver e não oferecem produtos com bom nível de qualidade. Na parte inicial do artigo para o Companion, os autores se debruçam sobre as diferenças entre as sociedades dos Estados Unidos e do Brasil no que se refere a veículos jornalísticos de pequenas cidades. A imprensa chegou à América do Norte junto com os primeiros europeus, que vieram para o novo continente com suas famílias para ali permanecerem. No caso brasileiro, os europeus vinham em geral sem suas famílias e por períodos curtos de tempo. Só com a chegada da Família Real, em 1808, é que veículos jornalísticos começaram a circular no país. O aparecimento tardio do jornalismo no país se deu em especial nos grandes…
Com auxílio emergencial, Brasil tem a menor desigualdade da história
O auxílio emergencial, que em 2020 pagou a 38 milhões de famílias até R$ 1.200 por mês para mitigar os efeitos da pandemia de coronavírus, reduziu a desigualdade no Brasil a um nível recorde. Em sua vigência, o programa evitou que até 10% da população (21 milhões de pessoas) passasse a viver na pobreza e chegou perto de erradicar a miséria. Desigualdade, pobreza e miséria voltaram a convergir para a situação anterior à crise sanitária no último trimestre do ano passado, quando o valor dos pagamentos do benefício foi diminuído à metade em meio à retomada parcial da atividade econômica. Naercio Menezes Filho, Bruno Komatsu e João Rosa, pesquisadores do Insper que realizaram a análise, compuseram dados de pesquisas por amostra domiciliar que o IBGE fazia antes (PNAD Contínua) e que passou a fazer durante (PNAD Covid) a epidemia de coronavírus. Dessa forma, puderam detectar os impactos da crise na renda e no emprego da mesma amostra populacional. Antes da emergência na saúde, cerca de 12% da população brasileira não tinha renda suficiente para suprir suas necessidades básicas –limiar sob o qual a literatura especializada situa a pobreza. De maio a setembro, na vigência do auxílio de até R$ 1.200 por família para segmentos vulneráveis, a taxa de pobreza caiu para perto de 8%. Na ausência da transferência emergencial –e na hipótese de que as pessoas mantivessem o mesmo comportamento que demostraram com o acesso ao recurso–, a incidência da pobreza no país teria chegado a 18%, calculam os pesquisadores do Insper. Como a taxa real foi dez pontos percentuais menor, o exercício indica que até 21 milhões de brasileiros (10% da população) deixaram de viver na pobreza no período. Os maiores ganhos na renda durante a vigência do auxílio emergencial incidiram sobre estratos mais desprotegidos da sociedade brasileira, entre eles os menos escolarizados e os negros. Neste último grupo, a taxa de pobreza baixou a ponto de tornar-se equiparável à da população branca, alterando momentaneamente uma tendência secular. Em razão dos ganhos mais acentuados para camadas menos favorecidas, o auxílio reduziu a desigualdade da renda familiar per capita, medida pelo índice de Gini, a um nível inédito. Pela primeira vez na história documentada, esse indicador ficou abaixo de 0,50 –sendo 0 a mínima desigualdade teórica e 1 a máxima. O auxílio contribuiu em 86% para essa queda na desigualdade, segundo a análise de Naercio, Bruno e João.
Ajustes poderiam arrecadar até R$ 46 bi para auxílio emergencial
A extensão dos pagamentos emergenciais a segmentos vulneráveis à crise causada pela pandemia de coronavírus, em debate no Congresso Nacional, poderia ser custeada com ajustes de receitas e despesas públicas capazes de mobilizar R$ 46,2 bilhões até 2022. Nas contas de Marcos Mendes, pesquisador do Insper, uma parcela dos recursos arregimentados poderia financiar diretamente a nova rodada de transferências de dinheiro à população vulnerável, enquanto a outra mitigaria os efeitos para o déficit e a dívida pública produzidos durante a calamidade sanitária. Na primeira classe de medidas, para liberar recursos aos pagamentos urgentes, estão a destinação das emendas individuais de parlamentares no Orçamento de 2021 (R$ 4,8 bilhões); o fim do desconto no tributo previdenciário de alguns setores empresariais (R$ 5 bilhões); e o aproveitamento da economia de recursos com a operação reduzida de instâncias como o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público (R$ 1 bilhão). No segundo grupo de iniciativas, que aliviam a dívida pública, figuram a devolução por parte de estados e municípios dos recursos excessivos que receberam da União a título de compensação pelos impactos fiscais da crise sanitária (R$ 10 bilhões); a redução de descontos como os com dependentes e gastos de saúde no Imposto de Renda (R$ 10 bilhões); o congelamento por mais um ano de aumentos salariais no funcionalismo (R$ 9 bilhões); a revogação de benefícios setoriais a empresas (R$ 5,4 bilhões); e a privatização ou extinção de estatais de menor porte, como a Casa da Moeda e a Telebras (R$ 1 bilhão). A sugestão de Mendes é que o auxílio não seja totalmente custeado por aumento da dívida pública, que aumentaria a incerteza quanto ao futuro próximo da economia e dificultaria a recuperação. Os custos precisam ser alocados com clareza, e a parcela da sociedade menos afetada pela pandemia deveria custear o seguro pago àqueles mais prejudicados pela crise sanitária. Leia a nota O financiamento do auxílio emergencial: medidas excepcionais para tempos excepcionais
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