Eduardo Campos era um homem de virtù: sabia ler o tempo, as circunstâncias e as pessoas; construía o possível. Mas, em política, nada é previsível: as nuvens se movem e os aviões, infelizmente, caem. O destino, que ninguém governa, faz da esperança apenas aquilo que poderia ter sido e não foi. Mais que um candidato à presidência, foi-se a promessa de liderança realmente promissora… Faz parte. Mas, a sorte tem sido madrasta com o Brasil.
O agora não fato é que Campos seria relevante de algum modo. Se não como presidente, pelo menos, como referência que reúne, articula e constrói consensos. Lula tinha adoração por ele; FHC o respeitava: era uma espécie de Plano B para todos. Presidente, talvez, promovesse o rearranjo partidário. Derrotado, nas borrascas de Dilma ou Aécio, seria interlocutor; embaixador em contendas, emissário das tréguas que a política exige. Um craque do meio-de-campo, tão escasso ultimamente.
As curvas das nuvens de Santos, no entanto, reescreveram o script. Novamente, um vice-presidente: Marina ressurge encarnando o mártir convocado pela fortuna. É aclamada pelo desastre e pelo esgotamento de um país com dificuldades de se reencontrar. Volta à cena consternada, marcada a fundo pela dor que deveras sente e pela compaixão que sentimos todos pela bonita família de Eduardo. Tudo isso terá, é claro, valor e força simbólicos.
Eleitoralmente, Marina será, num primeiro momento, problema para Aécio. A volta da terceira via e o impulso da tragédia contarão ao seu favor; elevarão seu piso, fazendo-a rapidamente encostar, quem sabe ultrapassar, no tucano — que, mesmo com todo tempo e espaço que teve, não capitalizou o mau momento do governo, o mal-estar na sociedade e a rejeição à presidente.
Se o eleitor a levar ao segundo turno, Marina será um pesadelo para Dilma: reunirá a crítica e o descontentamento difusos, somando-os quase que integralmente ao antipetismo hoje em torno de Aécio. O thriller já aterroriza o PT: a força dos princípios e da moral rígida da ex-petista contra justificativas muitas vezes mal-ajambradas; desculpas pouco claras, nem sempre convincentes do petismo atual.
Mas, Marina não é Eduardo e nem seria justo lhe cobrar o mesmo perfil. Campos praticava a política da responsabilidade, os meios voltados aos fins. Marina é de outra pipa: vem das nascentes das convicções e subiu ao morro dos princípios: seus fins dependem da pureza dos meios; a politica moral acima da moral política. Não se governa, porém, apenas com isso.
Menos pela disposição macroeconômica – havendo vontade e clareza, não será difícil retomar o tripé e recompor fundamentos –, seu governo seria um labirinto de conflitos em torno de questões vinculadas à microeconomia, das quais dependerão a política econômica como um todo. O desenvolvimento do país necessitará de agenda de fortes investimentos em infraestrutura e logística e aí se instalarão a discórdia e a cizânia entre monetaristas e ambientalistas marineiros.
Claro, tudo pode se resolver com ajustes administrativos, reformas de legislação, marcos regulatórios; questões que passam pelo Congresso. Haverá, no entanto, disposição para pagar os pedágios da composição de maiorias? A “nova política” que Marina promete se situa em algum lugar do futuro. No presente, para além da tragédia de Eduardo está a tragédia da realidade do presidencialismo de coalizão. Vivíssimo, por sinal. Ele não morre fácil.
Publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 17/08/2014.