Autor:
João Manoel P. de Mello
por João Manoel P. de Mello
O ambiente macroeconômico em que um indivíduo vive pode alterar permanentemente seu comportamento e influenciar sua escolha de carreira. As pessoas que crescem em ambientes de hiperinflação têm maior probabilidade de serem profissionais autônomos que assalariados, por exemplo.
A conclusão do estudo The Effects of Exposure to Hyperinflation on Occupational Choice, escrito por mim, Caio Waisman (Standfor) e Eduardo Zibelmarn (PUC-Rio) e publicado no Journal of Economic Behavior & Organization, compilou dados de imigrantes que moram nos Estados Unidos – país que nunca sofreu do fenômeno –, como número de anos em que a pessoa viveu sob hiperinflação, a idade que tinha e a escolha ocupacional.
A estimativa indica um efeito marginal de 0,87 pontos percentuais na probabilidade de ser independente. Esse efeito pode parecer pequeno, mas ao considerar que a amostra de profissionais independentes correspondia a 9,4% do total de analisados, não é negligenciável.
Há vários motivos pelos quais a hiperinflação pode afetar escolha ocupacional. Um deles é a relação entre carreira e fluxo de caixa: o assalariado possui fluxo mais rígido, já que é pago dentro de um cronograma pré-definido. Em contraste, um profissional autônomo é pago a cada venda de produto ou serviço, assim tem maior flexibilidade para ajustar preços conforme a inflação acelera. Esse tipo de alternativa é desejável em um ambiente de hiperinflação, pois permite ao trabalhador se proteger contra a desvalorização da moeda.
A indexação do salário poderia proteger assalariados, caso fosse mandatória. No entanto, ela exacerba episódios de hiperinflação. Além disso, muitos governos tentaram combater a inflação alta controlando preços e salários. A emergência de mercados negros é comum nesses casos, o que sugere que as pessoas se sintam mais inclinadas a tomar riscos no setor informal nessas épocas – como se tornarem trabalhadores informais, autônomos.
A vida em períodos de hiperinflação também pode levar ao desenvolvimento de habilidades e hábitos voltados ao empreendedorismo. Por exemplo, uma pessoa forçada a lidar com a inflação acelerada acaba por desenvolver conhecimento financeiro para economizar, planejar o que fazer com a renda e se proteger de futuras desvalorizações.
Os episódios macroeconômicos são marcados pela incerteza. Em particular, a inflação se torna mais volátil, o que prejudica a avaliação de riscos por investidores. Assim, indivíduos podem preferir se tornar assalariados já que a vida como autônomo envolve mais riscos. No entanto, há ampla evidência empírica de persistência no trabalho independente, mesmo quando os retornos são negativos.
Por fim, nosso estudo identificou que os profissionais que já eram autônomos em seus países tendem a manter essa postura quando migram. Uma possível explicação é que o profissional autônomo investe em capital humano específico. Outra, que a hiperinflação é um evento traumático que pode permanentemente alterar preferências, habilidades e crenças, portanto, incide sobre o comportamento. Quanto mais jovem o indivíduo é exposto a ela, mais significativo seu efeito.
Confira o artigo integral, em inglês: The effects of exposure to hyperinflation on occupational choice
A versão final do artigo foi publicado pelo periódico acadêmico Journal of Economic Behavior & Organization.