Na esteira do auxílio emergencial, lançado para proteger o consumo dos brasileiros afetados pela parada súbita da economia na pandemia de coronavírus, debatem-se reformas para estender, de modo perene, o alcance dos programas nacionais de garantia de renda.
As ideias em discussão vão desde a ampliação do Bolsa Família, que se destina ao estrato mais pobre da população e hoje atende 13,9 milhões de unidades familiares, até a distribuição de um valor mensal a todos os 212 milhões de habitantes do país, conhecida como renda básica de cidadania. Fala-se também em transferir dinheiro a crianças e adolescentes.
Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, calculou o montante de recursos públicos adicionais a ser mobilizado em sete hipóteses de expansão dos programas nacionais. Duplicar o Bolsa Família requereria R$ 33 bilhões anuais a mais. Já o plano mais ambicioso, de pagar R$ 400 mensais a todos os brasileiros, exigiria do Tesouro Nacional R$ 918 bilhões extras.
Do outro lado, o das receitas, o pesquisador pôs-se a vasculhar possibilidades de financiar os programas aventados. Partiu da hipótese de que outras políticas e benefícios sociais, sabidamente menos eficientes ou redundantes com as propostas de mudança, poderiam ser reduzidos ou extintos, e os respectivos recursos, canalizados para custear as novas iniciativas.
É o caso do Abono Salarial, do Salário Famíla e do Seguro Defeso, este destinado a pescadores. As deduções e isenções do Imposto de Renda da Pessoa Física, por exemplo com despesas de saúde, educação e para pessoas com moléstias graves e aposentados acima de 65 anos, também foram apontadas como fontes potenciais de recursos caso sejam extintas.
O congelamento da folha salarial dos servidores federais por cinco anos e a reoneração tributária da cesta básica de alimentos completaram o rol das fontes consideradas mais factíveis do ponto de vista político por Mendes, que atuou em reformas recentes, como a que estabeleceu um teto para as despesas federais.
Tudo somado, seria possível amealhar R$ 80,3 bilhões anuais, mediante reformas de difícil aprovação, seja porque algumas exigem emenda constitucional, seja porque sofreriam grande resistência política. Em caso de superação dessas dificuldades, o montante obtido seria suficiente para garantir reforço a uma política focalizada de atenção aos mais pobres.
Em relação às propostas mais ambiciosas, como a de perenizar o auxílio emergencial para 50 milhões de indivíduos e as de pagar a crianças e adolescentes, ainda seria preciso encontrar receitas adicionais de R$ 50 bilhões a 300 bilhões anuais, tarefa praticamente impossível diante da delicada situação fiscal do país.
Se a ambição for garantir uma renda básica de cidadania de R$ 400 mensais, os R$ 80,3 bilhões que se poderiam obter de modo factível, mas ainda assim sujeito à forte pressão dos lobbies afetados, monta a menos de 10% do volume necessário.
Tentativas de alargar a disponibilidade de recursos por meio do aumento da tributação, que poderiam levar o montante realocável para R$ 125 bilhões, teriam o inconveniente de elevar as distorções do já complexo sistema tributário, o que reduziria o potencial de crescimento da economia e, portanto, prejudicaria a capacidade de reduzir a pobreza.
Num exercício mais radical meramente hipotético, que prevê ações altamente improváveis como a extinção do Simples, da Zona Franca de Manaus e do Seguro Desemprego e a fixação de alíquota de 45% de IR para as rendas mais altas, Marcos Mendes calcula uma arrecadação extra de R$ 394 bilhões anuais. O volume é menos da metade do requerido para a proposta mais ambiciosa e ainda R$ 164 bilhões distante do custeio total de um programa menos amplo, que por exemplo pagasse a quase 150 milhões de brasileiros R$ 300 mensais.