14/07/2020
O Brasil deve chegar ao fim deste ano com o saldo de 575 mil jovens de 16 anos que não concluirão a educação básica, quantidade pouco superior à população inteira da capital catarinense, Florianópolis. Em 2021, essa marca pode se repetir.
Conforme a vida desses adolescentes avançar, a formação incompleta deve se traduzir em salários mais baixos, pior qualidade de vida e maior exposição à violência. Acabarão também prejudicando a coletividade, pois vão contribuir menos para a produtividade econômica do país.
Em seu conjunto, os efeitos dão forma a cifras expressivas. Trata-se de R$ 372 mil, em média, perdidos em relação a cada um desses jovens ao longo da sua vida. Os 575 mil fora da escola neste ano correspondem a R$ 214 bilhões dissipados.
O custo foi estimado na pesquisa “Consequências da Violação do Direito à Educação”, elaborada pelo Insper em parceria com a Fundação Roberto Marinho.
Liderados por Ricardo Paes de Barros, professor titular da cátedra Instituto Ayrton Senna, pesquisadores colocaram em cifras o resultado de um jovem não terminar o ciclo básico, composto pelos ensinos infantil, fundamental e médio.
A quantia abrange as implicações da evasão em escolas públicas e privadas do país em relação a emprego e salário, atividade econômica, saúde e violência.
Um dos primeiros números apurados pelos pesquisadores foi a projeção da quantidade de brasileiros que devem deixar os estudos a cada ano. Para tanto, utilizou-se a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, de 1992 a 2018.
Os dados permitiram determinar as probabilidades de um adolescente de 16 anos vir a se formar no ensino médio até os 25. Levaram-se em conta na análise as desigualdades relacionadas a idade, cor e região do país, uma vez que, quanto mais vulnerável for a situação do adolescente, maiores serão os obstáculos para que avance nos estudos.
Com base nessas probabilidades, os pesquisadores estabeleceram que, caso seja mantido o ritmo atual de evasão, 575 mil dos 3,3 milhões de brasileiros hoje com 16 anos não devem finalizar a educação básica neste ano. O mesmo quadro, indica o estudo, pode ocorrer novamente nos próximos.
Embora esteja em declínio, o saldo permanece expressivo, segundo os autores da pesquisa. Uma comparação feita por eles ajuda a entender o porquê: a conta de R$ 214 bilhões gerada pela evasão escolar corresponde a quase 70% do que a União, os estados e os municípios gastaram em 2017 para oferecer educação básica.
A pesquisa do IBGE também serviu de fonte para que pudesse ser calculada a probabilidade de um jovem vir a estar ocupado no futuro, de se tornar um trabalhador independente –empregador ou por conta própria– ou empregado e, nesta última condição, formal ou informalmente. Projetou-se ainda a remuneração média esperada nessas situações.
Foram considerados como parâmetros que o indivíduo exercerá alguma forma de trabalho até os 69 anos –o ciclo de vida produtiva– e que haverá um aumento natural de renda de 1% ao ano devido ao crescimento econômico do país.
O exercício demonstrou que um jovem de 16 anos com educação básica deve acumular, em média, um rendimento de R$ 427,5 mil ao longo de sua vida inteira. Não concluir essa etapa educacional, no entanto, reduz a projeção para R$ 268,5 mil, pois a escolaridade mais baixa encurta em 10% o tempo total de ocupação durante o ciclo de vida produtiva e achata o salário de 20% a 25%.
Da diferença desses valores deriva o prejuízo de remuneração média de parar os estudos mais cedo: R$ 159 mil.
Não completar o ensino básico tem ainda repercussões na economia do país.
Os pesquisadores examinaram como a perda de escolaridade impacta o PIB per capita, ou seja, a média por pessoa do valor total da produção de bens e serviços finais de uma nação no intervalo de um ano. Para o Brasil, estima-se que o acréscimo de um ano de escolaridade para toda a população elevaria o PIB per capita em cerca de 10%.
Assim, quando um indivíduo estuda mais, ocorre uma expansão de renda que não é apropriada só por ele, e sim por toda a sociedade.
Com isso, compararam-se os valores de remuneração média com dados a respeito dos efeitos da escolaridade no PIB. Resultado: um jovem sem o ciclo básico completo significa a supressão total, ao longo de sua vida, de R$ 54 mil do PIB do país.
Frequentar a sala de aula também influencia a qualidade de vida. A progressão nos estudos pode ser reverter em melhor moradia, mais acesso a serviços de saúde e reforço dos cuidados com o corpo e a alimentação.
As evidências disponíveis indicam, segundo os autores do estudo, que terminar a educação básica prolonga a vida em 4,4 anos, em média. O período adicional conta com uma peculiaridade: são anos em que a pessoa deve desfrutar de uma condição de saúde suficiente o bastante para ter autonomia e executar tarefas diárias sozinha.
Portanto, ao não concluir a etapa escolar, o jovem, na média, terá encolhida a sua expectativa de vida.
Para estabelecer o que isso representa monetariamente, foi usada como referência uma projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS). Com a morte de um indivíduo, estima-se que o PIB de um país perca o equivalente a três vezes o que a pessoa produziria em um ano.
Os pesquisadores concluíram, então, que os 4,4 anos a menos de vida de um jovem com a educação básica incompleta equivalem a uma perda de R$ 114 mil para o país.
Já a análise de como a evasão escolar reverbera no custo da violência teve como uma de suas referências um trabalho de Daniel Cerqueira e Rodrigo R. Soares. A dupla estimou a perda do país com homicídios considerando fatores como renda e diferenças decorrentes de idade, gênero, escolaridade e região.
Os dados foram relacionados a outros que identificam como a escolaridade pode influir na probabilidade de um indivíduo se envolver em atividades violentas.
Também se considerou a projeção de que a redução de um ponto percentual na evasão escolar evitaria 550 assassinatos no Brasil por ano.
Tudo somado, o custo para o país de um jovem não concluir o ciclo básico, em termos de violência, chega a R$ 45 mil.
Tanto esta última cifra quanto as demais apresentadas no estudo podem, na avaliação dos autores, contribuir para a elaboração e o aperfeiçoamento de políticas públicas que retenham mais alunos nas salas de aula. A perda de R$ 372 mil devido à evasão pode ajudar a convencer o próprio jovem, seus pais e gestores da importância de concluir o ciclo básico de instrução.
O estudo completo pode ser acessado na página da Fundação Roberto Marinho.
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