19/10/2020
Proibir o comércio do mogno da Amazônia decerto satisfaz critérios de uma política responsável. Mas fazê-lo sem reprimir o mercado ilegal que provavelmente surgirá após o veto pode ter efeitos danosos não apenas ambientais, mas também nos homicídios.
Foi o que detectou o economista Rodrigo Soares, em colaboração com o colega Ariaster Chimeli, em estados como o Pará na década passada. Soares, que recentemente foi eleito Fellow da Econometric Society é doutor pela Universidade de Chicago, passou a integrar a equipe docente do Insper, como professor titular.
Suas pesquisas abrangem temas microeconômicos, como a informalidade no trabalho, e sociais, como os determinantes do crime. Também compôs trabalhos para entender a relação entre os padrões de mortalidade, de um lado, e o desenvolvimento econômico, do outro –um deles em parceria com Gary Becker (1930-2014), pesquisador de Chicago que expandiu as fronteiras temáticas da investigação pela ciência econômica.
Conheça abaixo cinco trabalhos publicados por Rodrigo Soares.
No estudo, Soares e Daniel Haanwinckel (Universidade da Califórnia) elaboram um modelo que vai além do que a literatura estabelecera para captar fatores que podem levar empresas a operar ao largo das regulamentações legais.
Firmas com produtividades diferentes, trabalhadores com diversas escolaridades, a ação de normas trabalhistas como o salário mínimo e o porte dos empreendimentos entram na análise, que utiliza dados do Brasil de 2003 a 2012.
O modelo prevê satisfatoriamente a acentuada formalização ocorrida no período e detecta no aumento da instrução dos trabalhadores o principal fator a reduzir a informalidade. Com a ferramenta, os autores mostram que uma taxação progressiva da folha de salários, que desonerasse os menores vencimentos, seria mais vantajosa para a formalização do que o abono salarial vigente, pelo qual o governo paga bônus de até um salário mínimo anual a quem recebe até dois mínimos mensais.
De 1990 a 1995, a economia brasileira passou por uma redução abrangente e profunda nas tarifas de importação. Em co-autoria com Rafael Dix-Carneiro (Universidade Duke) e Gabriel Ulyssea (PUC-RJ e Universidade de Oxford), Rodrigo Soares explora esse choque para apurar seus efeitos sobre a criminalidade nas regiões brasileiras economicamente mais prejudicadas pela abertura externa.
No ano 2000, cinco anos depois da conclusão do choque tarifário, o trio de pesquisadores encontrou impacto significativo na mudança nas taxas de homicídios nessas localidades, expressa numa piora do índice de assassinatos em relação à média nacional. Quinze anos depois, em 2010, esses efeitos tinham desaparecido.
O mecanismo preferencial de transmissão entre, de um lado, o choque comercial e, do outro, a elevação do crime, segundo a análise, não foi o aumento da desigualdade nem a redução da capacidade dos governos locais de prover bens públicos, fatores que persistiram no longo prazo, ao contrário do que ocorreu com os homicídios.
A deterioração temporária do mercado de trabalho, sobretudo o desemprego, aparece como o principal fator a incidir sobre a criminalidade. Ela também foi forte no médio prazo, mas tendeu a desaparecer no longo. Respondeu por pelo menos 75% do efeito sobre a criminalidade passados cinco anos da liberalização comercial.
A comercialização do mogno brasileiro, madeira nobre da Amazônia, começou a sofrer restrições governamentais no final da década de 1990 até ser proibida em 2001. Em parceria com Ariaster Chimeli, da USP, Rodrigo Soares investigou se essas medidas, que ensejaram um mercado de exploração ilegal só neutralizado em 2008, impulsionaram a criminalidade em locais ligados à atividade extrativista.
Os pesquisadores cotejaram a incidência de homicídios pouco antes e pouco depois do período de interdições, de municípios ativos na exploração da madeira com as taxas de cidades da região onde a atividade não ocorria. De um padrão de criminalidade parecido, anterior às restrições, as localidades associadas ao mogno passaram a apresentar, após a adoção das restrições, uma tendência de elevação divergente dos demais municípios.
No Pará, que concentrava essa atividade, as localidades ligadas ao mogno chegaram a ter duas vezes e meia mais homicídios que as não associadas à atividade no período que decorreu até o controle da exploração ilegal, no final da década passada. A análise estima que, para cada US$ 187 mil do mercado de mogno ilegal, o Pará teve em média 1 assassinato a mais do que teria tido no status quo anterior à proibição. Foram mais de 5 mil mortes em consequência do comércio ilegal do mogno.
No extenso debate sobre o que leva as nações a embarcar num ciclo de crescimento econômico sustentado, Soares propõe um modelo em que a queda da mortalidade, e o consequente aumento da expectativa de vida, é o dínamo que empurra as sociedades para fora do estado em que prevalecem a estagnação e a baixa renda.
O canal de transmissão entre um fato, o alongamento da vida em razão de melhorias sanitárias e medicinais, e outro, o desenvolvimento econômico, repousa, segundo a proposta, no estímulo ao investimento em capital humano que desencadeia – o que por sua vez eleva a produtividade da economia e a encaminha para o crescimento.
Ao esperarem viver mais, e que os filhos sobrevivam até a fase adulta, as pessoas encontram mais vantagens em investir na sua formação escolar e na dos filhos, pois esses dispêndios poderão ser mais que compensados ao longo dos anos. Outro efeito da queda da mortalidade, infantil e adulta, é o estímulo a ter menos filhos.
A redução na fecundidade realimenta o investimento em escolarização, ao torná-lo mais barato, completando um ciclo virtuoso em que cada geração, ao chegar à vida adulta, é dotada de mais capital humano e, portanto mais produtiva, que a anterior, além de manter os estímulos ao acúmulo de instrução também ao longo da vida ativa. A renda da sociedade cresce de forma contínua nesse enquadramento.
Gary Becker (1930-2014), Nobel de Economia de 1992 e expoente da escola de Chicago, seu colega Thomas Philipson e Rodrigo Soares propuseram um modelo para estimar o impacto sobre a desigualdade global de ganhos de bem-estar social mal captados em indicadores como a renda per capita. É o caso do pronunciado avanço da expectativa de vida ocorrido na segunda metade do século 20.
Os autores estimam o valor monetário da evolução na longevidade e o adicionam à renda per capita, chegando a uma medida de “renda total” para amostra de 96 países, que comportam 82% da população mundial. Analisam a evolução do indicador de 1960 ao ano 2000 e concluem que, ao contrário do que ocorre quando observado apenas o PIB per capita, a desigualdade entre pobres e ricos ficou menor no período.
A renda total, computado o ganho em extensão da vida, da metade mais pobre das nações cresceu à média anual de 4,1% nessas quatro décadas, com 40% dessa evolução devida ao avanço da expectativa de vida. Na metade mais rica, a marcha foi de 2,6% ao ano, com apenas 15% explicados pelo aumento da longevidade.
Ao investigar as causas da redução da desigualdade na expectativa de vida no período, Becker, Philipson e Soares associam-nas fortemente à redução da mortalidade por doenças infecciosas, respiratórias, digestivas e complicações perinatais, principalmente nas fases mais jovens da vida, até os 20 anos de idade.
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Tags: Política social