A onda de protestos antirracistas iniciada após a morte de George Floyd, nos EUA, reacendeu o debate sobre a adoção de políticas de combate ao racismo e de mitigação de suas consequências. Denominadas ações afirmativas, essas medidas têm caráter compensatório e seu objetivo é corrigir desigualdades. Um exemplo é a Lei de Cotas, promulgada no Brasil em 2012.
Em estudo realizado em 2017, os pesquisadores Naercio Menezes Filho e Bruno Komatsu, professor e pesquisador do Insper, respectivamente, e Lara Vilela e Thiago Yudi Tachibana analisaram os impactos da reserva de vagas. Foram examinadas as repercussões na distribuição das notas dos ingressantes nas universidades públicas, na nota de corte e na composição do perfil dos ingressantes.
A Lei de Cotas prevê que 50% das vagas em vestibulares de universidades e institutos federais devem ser destinadas a egressos de escolas públicas. Destas, uma metade é reservada para alunos com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo e a outra, para alunos com renda superior a este valor.
Em ambos subgrupos de renda, a instituição deve assegurar uma proporção de vagas para pretos, pardos e indígenas que seja igual ou superior a proporção deste mesmo grupo na população do seu estado, conforme dados do censo demográfico mais recente.
A instituição desse processo, porém, tornou-se alvo de críticas. A principal era que resultaria na seleção de pessoas com notas inferiores, reduzindo a qualidade do ensino superior.
Para simular qual seria o efeito sobre a qualidade dos candidatos selecionados após a introdução do sistema de cotas, o estudo utilizou dados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2011, quando o exame já era adotado para a ingresso nas instituições públicas de ensino por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada). À época, o sistema de cotas ainda não era amplamente estabelecido. Assim, foi possível isolar seu peso nas notas de corte dos ingressantes de outros fatores, a exemplo da motivação dos candidatos para realizar a prova.
Os pesquisadores assumiram que os inscritos no Enem estariam pleiteando uma vaga na principal universidade federal do estado em que residiam. Por exemplo, todos os inscritos em Minas Gerais desejavam ingressar na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Os alunos de cada estado foram, então, ordenados de acordo com a nota no Enem. Metade das vagas em cada instituição foi designada aos primeiros colocados, independentemente do status para elegibilidade para as cotas. Para as vagas reservadas, foram selecionados os primeiros colocados entre aqueles elegíveis aos critérios das cotas: ter estudado em escola pública, apresentar renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo e se declarar preto, pardo ou indígena.
O impacto da adoção das cotas é a diferença entre as notas e o perfil dos alunos selecionados nas simulações com e sem cotas. Os resultados são detalhados para os estados mais populosos de cada região do Brasil e suas principais universidades: UFG (Universidade Federal de Goiás), UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFPA (Universidade Federal do Pará), UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e UFMG.
Em todos os casos, a reserva de vagas aumenta a participação dos elegíveis para as cotas entre os ingressantes sem reduzir significativamente a nota para ingresso em relação ao cenário em que não há cotas.
Para entender as razões pelas quais a nota de corte para ingresso nas universidades varia pouco nas simulações com e sem cotas, os autores analisaram a que parte da distribuição de notas os alunos selecionados pertencem. Para isso, comparam a quantidade de vagas nas universidades e a de alunos entre os 10% melhores, ou seja, com as maiores notas. Para todas as universidades, a quantidade de candidatos entre os 10% melhores supera a de vagas disponíveis.
Na maioria dos casos, os candidatos elegíveis para as cotas que seriam selecionados pertencem ao grupo dos 10% melhores alunos. A diferença de nota entre os alunos que deixam de ser selecionados com a adoção das cotas e os que são selecionados neste regime é muito pequena. Porém, o desempenho ligeiramente inferior dos alunos de escolas públicas, pobres e negros e pardos é suficiente para deixá-los de fora da universidade no cenário em que não há cotas.
Os autores concluíram que a nota de corte para entrada nas universidades não é significativamente alterada nos cenários com cotas, uma vez que entre os 10% melhores candidatos há alunos elegíveis para as cotas em quantidade suficiente para preencher as vagas reservadas.