Durante a crise de 2008 nos Estados Unidos, empresas com alto poder de mercado reduziram o tempo de pagamento a seus fornecedores como estratégia para proteger a cadeia de produção dos efeitos da crise. Essa é a principal conclusão do estudo “Trade credit and product market power during a financial crisis” (crédito comercial e poder de mercado durante uma crise financeira), de Adalto Barbaceia Gonçalves (Insper), Rafael F. Schiozer (EAESP-FGV) e Hsia Hua Sheng (EAESP-FGV).
Quando um fornecedor entrega um produto ou serviço em troca de pagamento numa data futura, ele está oferecendo um crédito comercial (“trade credit”) ao cliente. O crédito comercial é uma importante fonte de recursos para empresas e é conhecido pelo seu papel redistributivo: companhias com alta capacidade de movimentar recursos, a chamada liquidez, e elevado acesso a empréstimos bancários atuam fornecendo crédito comercial para empresas restritas financeiramente.
Em períodos de recessão econômica, contudo, mesmo fornecedores com alta liquidez podem ter dificuldades de manter prazos extensos para recebimento de pagamentos.
Para entender como as firmas americanas atuaram durante a crise de 2008, os autores do estudo utilizaram dados de 2004 a 2010, abrangendo, portanto, o período pré e pós crise. O estudo é o primeiro a avaliar se empresas com alto poder de mercado agiram de modo diferente das demais em relação aos prazos de pagamentos e recebimentos praticados.
Medido pelo chamado índice de Lerner, o poder de mercado é a relação entre receita com vendas e o custo de produção da empresa. Empresas com alto poder de mercado são capazes de obter margens de lucro elevadas e, em geral, estão engajadas na produção de bens diferenciados e de padrão superior. Para manter a qualidade do produto final, elas exercem maior controle sobre a cadeia de fornecedores.
Ao ser afetado por uma crise financeira, o fornecedor pode atrasar a entrega de produtos ou oferecer itens de menor qualidade. Nesse cenário de eventuais falhas na cadeia de insumos, as empresas com alto poder de mercado correm o risco de ter prejuízos maiores com perdas nas vendas do que empresas com pequenas margens de lucro.
Utilizando dados apenas do período pré-crise para computar o índice de Lerner de uma firma, os autores primeiramente dividiram as empresas de acordo com o poder de mercado em dois grupos de tamanho iguais.
Constataram que, durante a recessão, empresas com alto poder de mercado diminuíram, em média, 4 dias do prazo para efetuar pagamentos aos fornecedores. Nesse grupo, o tempo caiu de 74,3 dias, antes da crise, para 69,7, na fase de turbulência. Já empresas com baixo poder aumentaram o prazo de quitação dos pagamentos no período da crise. Por outro lado, o tempo de recebimento não foi afetado em ambos os grupos.

Separando o efeito do poder de mercado de outros fatores
A comparação do prazo de pagamento antes e durante a recessão entre empresas com alto e baixo poder de mercado, porém, não permite afirmar que o poder de mercado isoladamente é o que provoca a mudança de estratégia.
Para garantir que o efeito do poder de mercado não se confunda com outros fatores, os autores analisam o comportamento de empresas com diferentes índices de Lerner, mas com características semelhantes, como liquidez financeira e setor de atuação.
O resultado corrobora o achado descritivo: firmas com maior poder de mercado reduziram o prazo de pagamento a fornecedores durante a recessão, entretanto não tiveram o prazo de recebimento afetado. Um aumento em 10 pontos percentuais no índice de Lerner (equivalente a 25% de aumento em relação ao poder de mercado médio) reduz o prazo de pagamento em 1,4 dia nos primeiros 12 meses de crise. Após 36 meses, a diminuição no prazo ultrapassa 2 dias.
Os autores verificam ainda que a relação entre o prazo de quitação e o poder de mercado é similar para firmas com alta e baixa liquidez financeira. Isto é, isoladamente, o poder de mercado é responsável pela estratégia de aumentar o crédito comercial a fornecedores.
Efeito da crise financeira?
Para se certificarem de que os efeitos encontrados são, de fato, decorrentes da recessão, os autores simularam os resultados utilizando datas fictícias para o início da crise. Se comportamento similar for observado em períodos em que sabidamente não há depressão financeira, há indícios de que a mudança observada não é uma reação exclusiva à crise. Como resultado, o estudo confirmou que de 2004 a 2007 não houve outros eventos que provocaram alteração nos prazos de pagamento.