21/12/2016
O diretor de Planejamento e Pesquisa do BNDES, Vinicius Carrasco, foi convidado pelo Centro de Finanças do Insper (CeFi) para uma apresentação sobre Financiamento de Longo Prazo no Brasil. Após a palestra, realizada dia 1º de dezembro, houve um debate, entre Carrasco e o professor Sérgio Lazzarini, titular da cátedra Chafi Haddad, com moderação do professor Marco Bonomo, coordenador do CeFi.
Carrasco focou a sua apresentação no financiamento de infraestrutura e no papel do BNDES nesta fase de desafios da economia brasileira.
O Brasil necessita de muitos investimentos em infraestrutura, pois tem uma grande demanda em áreas importantes para o desenvolvimento econômico como energia, portos, ferrovias e aeroportos. Nos últimos anos, no entanto, o país teve muita dificuldade em atrair investidores para os projetos desenvolvidos pelo governo. Um bom exemplo disso foi o desinteresse dos investidores nos leilões de linhas de transmissão de energia que, muitas vezes, registraram “no show”.
Carrasco mostrou que os outros países da OCDE, comparados ao Brasil, no período de 2004 a 2011, investiram mais em infraestrutura em relação ao PIB. As médias de investimentos por negócio são:
As dificuldades do Brasil em ampliar os investimentos se deve, do ponto de vista de atração de investidores, ao não atendimento a três pontos: garantia de retorno adequada ao risco, regras claras e estáveis e boa regulação. “Melhores condições de financiamento não substituem esses três pontos. E, era nisso que o Brasil estava acreditando.”
Atualmente, o BNDES busca garantir que a “divisão do bolo que deve atender aos interesses dos usuários, do governo e dos investidores” dê o retorno satisfatório para todos. Para isso, a TIR (Taxa Interna de Retorno) deve ser maior ou igual ao WACC (Weighted Average Capital Cost), custo do capital.
Carrasco defendeu que o governo deve estimular a competição entre os participantes dos leilões. ”Leilões competitivos garantem ao governo maiores receitas de outorgas, no caso de leilões de outorga, ou menores tarifas para os usuários, no caso de leilões de tarifa.”
Entre as mudanças estabelecidas no modelo de leilões, estão a decisão de não utilizar mais a modicidade tarifária e a outorga mínima, que reduzem a TIR e, consequentemente, a parte do “bolo” do investidor.
O desafio é ter regras que atraiam investidores. Além daqueles três pontos essenciais que destacou no início da palestra, Carrasco afirmou que “o projeto não deve limitar o retorno à priori e ter lançamento dos editais com antecedência e inglês”. Leilões sem boas bases não interessam a investidores ou, pior, atraem investidores pelas razões erradas, seja para renegociar os termos do contrato a posteiori, seja por ter interesses em outros negócios relacionados ao projeto. Por exemplo, obter retornos por meio de margens de lucro maiores que as competitivas em construção, ou, num projeto ferroviário, uma das empresas do consórcio utilizará a ferrovia por demanda de outro negócio do seu grupo. Ou ainda, ou que no futuro tentarão renegociar o projeto.
As mudanças já surtiram efeitos e os investidores voltaram aos leilões de transmissão
Carrasco apresentou as mudanças realizadas no desenho dos leilões de transmissão de energia, que garantiram a volta dos investidores aos leilões.
Ficou definido que a Aneel, órgão regulador do setor de energia, passa a garantir, via Receita Anual Permitida (RAP), que a TIR será maior ou igual ao WACC. Já o BNDES definiu que a maior parte dos investimentos em transmissão passarão a ser apoiados em condições de mercado, considerando as discussões sobre o cômputo do WACC utilizado pela Aneel. “Separação clara entre questões regulatórias e de financiamento”, observou Carrasco.
O resultado foi um leilão com deságio em relação à RAP e dos 24 lotes ofertados, 21 foram arrematados. “Esse foi o leilão com maior contratação de investimentos já vista em transmissão.”
Demandas sociais exigem soluções diferentes
Se a TIR social e o WACC forem maiores que a TIR, o desenvolvimento de um projeto exigirá outras soluções. Um dos caminhos, segundo Carrasco, é a criação de uma Parceria Público Privada (PPP) que viabiliza o investimento feito pelo poder público e a execução feita por empresas privadas. De qualquer forma, este é um cenário que exigirá mais do papel do governo.
Carrasco lembrou que, mesmo sendo o projeto relevante para sociedade, a decisão de se utilizar outorga mínimas mal calibradas ou de se induzir modicidade exigirá elevados subsídios.
Divisão de Riscos
Para finalizar a sua apresentação, o diretor do BNDES mostrou que os riscos são diferentes em cada parte do projeto. No período de construção, os riscos são mais elevados e o fluxo de caixa é negativo. Na fase de “ramp up”, o fluxo de caixa é médio e o risco considerado baixo. Já a fase operacional tem risco baixo e alto fluxo de caixa.
O desafio do desenvolvimento de todos os projetos é ter investidores que sejam capazes de assumir os riscos desde sua fase mais crítica, que é a da construção.
Carrasco dividiu os investidores em três tipos:
Debate: qual o papel do BNDES?
O debate começou com uma apresentação do professor Sérgio Lazzarini sobre como alguns projetos podem ser realizados sem a participação do poder público. Lazzarini citou como exemplo de atuação privada um projeto de dragagem desenvolvido em parceria entre a Usiminas e a Ultrafértil no Porto de Santos. “As partes definiram a negociação, os riscos e os investimentos. O projeto foi executado e bem-sucedido.”
O titular da cátedra Chafi Haddad defendeu, ainda, a utilização de mecanismos contratuais atrelados a desempenho por impacto e economias de execução, por exemplo, “social impact bonds”, e que os bancos públicos atuem mais como garantidores do que como emprestadores.
Carrasco observou que estes são mesmo os caminhos traçados pelo BNDES. Atualmente, há discussão para fazer com que o Banco assuma papel garantidor, estimulando maior participação de outros tipos de investidores nos projetos. “É um papel relevante do Banco estimular o mercado privado. E uma possível forma de fazê-lo é por meio de atuação como garantidor (em várias formas), especialmente na fase de construção de um projeto”, explicou Carrasco.
Outro papel relevante do BNDES, lembrou Carrasco, é o de financiar micro, pequenas e médias empresas. Ele lamentou que isso não aconteça em maior escala, mas, afirmou que a expansão desse tipo de empréstimo é uma das prioridades da instituição.
“Não entendo porque os bancos privados não fazem isso aqui (no Brasil). Se o projeto é bom, é possível investir.” Além disso, ele defendeu que o BNDES continuará tendo papel em financiar projetos nos quais os retornos sociais sejam maiores que os retornos privados. “Este é um papel que banco privado não cumpre e justifica a atuação de um Banco de Desenvolvimento”, concluiu.
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