Como criar estratégias para a superação entre a dicotomia negócios e meio ambiente? É possível a conciliação dessas duas frentes? Esse foi o tema do seminário “Empreendedorismo e empresas com propósito”, que marcou o lançamento da Cátedra Economia e Meio Ambiente, parceria entre o Instituto Escolhas e o Insper. No evento, o empreendedor José Luiz Majolo apresentou sua trajetória na área de sustentabilidade e debateu o tema com a professora da casa Priscila Claro e da diretora científica do Instituto Escolhas Lígia Vasconcellos.
No Brasil, o tema de economia e meio ambiente ainda não figura entre o mainstream das pesquisas acadêmicas. Ao abrir o evento, o presidente do Insper Marcos Lisboa destacou o crescente interesse pela área, devido aos problemas ambientais gerados pelo modelo de desenvolvimento baseado na exploração dos recursos naturais. Indústrias e empresas começam a voltar a atenção para modos de produção mais sustentáveis e menos agressivos ao meio ambiente. Esse é o caso de José Luiz Majolo, que apresentou sua trajetória na área de química verde e preservação ambiental.
Majolo começou sua carreira como empreendedor verde aos 53 anos, depois de atuar por 35 no mercado financeiro. Quando esteve à frente do ABN AMRO Real, liderou a área socioambiental, com o desafio de criar linhas de crédito voltadas para desenvolvimento sustentável.
“O trabalho que realizei no banco me deu muito prazer, mas a burocracia me cansava. Resolvi sair e pensar no que eu gostaria de fazer. As crenças eu já tinha: viver sem destruir o futuro; lucrar sem transgredir a ética; respeitar o entorno e a comunidade”, disse Majolo.
Foi então que surgiu o projeto de construção de uma pousada sustentável em meio à mata atlântica. A razão de ser da Pousada Ronco do Bugio, em Piedade/SP, é a preservação da natureza local como atividade produtiva. Para tal, a construção seguiu como princípios norteadores o não desmatamento e o uso de materiais sustentáveis. Ou seja, as fundações da pousada foram feitas em locais já desmatados e portas, janelas e vigas vieram de materiais de demolições de fazendas mineiras.
Não apenas o processo de construção seguiria matrizes da sustentabilidade, mas para Majolo o funcionamento da pousada também deveria estar em harmonia com a natureza, reduzindo ao mínimo o impacto ambiental. Assim, a pousada adotou um sistema de energia limpa, a partir da queda d’água que fornece 40% do que é consumido na pousada. “Eu sempre quis implantar um sistema de energia solar. Porém, quando faço os cálculos, o custo não compensa. O retorno é muito demorado”, disse Majolo.
A pousada trabalha também com o tratamento de resíduos orgânicos, com ações para neutralizar o carbono emitido por cada hóspede, com plantio de árvores; com o fortalecimento da economia local, por meio de oportunidades de trabalho para as pessoas da região; e com o uso de produtos de limpeza natural. A descoberta dos produtos de limpeza natural acabou virando o segundo negócio de Majolo.
Com quase nenhum produto de limpeza “verde” no mercado, Majolo viu nesse ramo uma boa oportunidade de negócio. “Não queria desenvolver apenas um nicho de mercado com esses produtos. Precisávamos concorrer com as grandes empresas de produtos sintéticos. Para isso tínhamos que criar um produto com preço, qualidade e escala”, disse.
A Terpenoil surgiu em meados de 2007, quando descobriram o potencial do terpeno, extraído da laranja. Os produtos de limpeza geral e automotivo são livres de fosfatos, alcalinos, conservantes e compostos corrosivos, além de apresentarem baixas toxinas e boa biodegradabilidade. A Terpenoil também desenvolve sistemas de tratamento de ar em diferentes níveis, com objetivos de tratamento de emissões, neutralização de odores e tratamento microbiológico, tudo a base de produtos naturais, sem perigos à saúde.
Os produtos ainda não são vendidos para o varejo, mas para indústrias, hospitais, escolas e empresas de limpeza. A partir de 2017, a empresa pretende expandir sua atuação com a venda direta dos produtos para o consumidor. Em 2016, tornou-se a primeira no ramo ganhar a Certificação de Qualidade ABNT com o Rótulo Ecológico.
O processo de consolidação da Terpenoil no mercado de produtos de limpeza trouxe a Majolo novas oportunidades de negócios. Estudos constataram que ele também poderia ser utilizado para outros fins, devido a sua característica de solvente. Assim, Majolo e sua equipe criaram a Ambievo, empresa especializada em lavagem de solos contaminados e lavagem de tanques.
“O solo contaminado pelo petróleo ou derivados de hidrocarbonetos é um problema que o Brasil enfrenta atualmente. Na Europa já existia um sistema de lavagem de solo com água quente, mas ela não extraia todas as impurezas. O solvente produzido pelo terpeno dava condições para realizar essa lavagem de forma efetiva e tinha a vantagem de ser natural”.
Assim, a Ambievo criou técnicas avançadas e sustentáveis que recuperam solos, diminuem os resíduos e reduzem o impacto ambiental, sem gerar riscos a quem aplica e ao meio ambiente.
Em 2013, o Banco Santander tornou-se um sócio investidor da empresa. Após anos de pesquisas, estudos e elaboração da tecnologia, no começo de 2016 o serviço começou a ser oferecido para as grandes empresas. O reconhecimento de mais de 12 anos de trabalho no desenvolvimento do produto veio com a premiação internacional de tecnologia verde, recebida em 2015 pela Launch, plataforma de inovação firmada entre o Departamento de Estado dos EUA, a Nasa, a Nike e a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA (Usaid) para identificar e promover soluções avançadas para um mundo mais sustentável.
A experiência de Majolo é um exemplo de como a criação de empresas com propósito pode dar certo. “Antes de tudo a empresa precisa ter seus valores claros, elas precisam dessa sustentação. É isso que vai garantir o bom andamento da empresa e o lucro”, afirmou Majolo.
O empreendedor lembrou que ao longo do processo de criação de suas empresas enfrentou diversos desafios. Até hoje ele não possui um amplo laboratório e precisa usar infraestrutura de terceiros, o que representa um custo elevado para a criação dos produtos.
“O mundo verde pode ser um futuro para o Brasil, mas para isso é preciso aprender e criar um projeto de país com esse intuito. É preciso existir mais incentivo para as empresas trabalharem nessa perspectiva. Estamos queimando essa oportunidade”, disse.
“O Brasil ainda carece de pesquisas, evidências e dados na área de sustentabilidade e meio ambiente. É importante que as pesquisas sejam feitas com propósitos e dialoguem com o mundo real”, falou Majolo.
Com a perspectiva de fomentar estudos na área socioambiental a partir da abordagem das ciências econômicas, o lançamento da Cátedra Economia e Meio Ambiente do Instituto Escolhas no Insper representa o crescente interesse e necessidade de produção sobre o tema. Assim, a cátedra objetiva contribuir para o maior conhecimento sobre a complexidade dos temas ambientais, dialogando com diferentes saberes e com os dilemas presentes no processo de desenvolvimento do país.
“Para o Insper a cátedra aparece em um ótimo momento, em que a escola está muito mais amadurecida nesse tema e os negócios na área de empreendedorismo socioambiental estão cada vez mais presentes”, afirmou a professora Priscilla Claro.
Com o objetivo de produção de conhecimento e formação de pesquisadores e profissionais na área de economia e meio ambiente “a Cátedra tem também como missão transformar a realidade atual do país”, concluiu Lígia Vasconcellos, do Instituto Escolhas.
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