01/09/2016
“Os países não devem ser ranqueados como em um quadro de medalhas.” Foi o que defendeu o economista Eduardo Giannetti em sua visita ao Insper no quarto evento da série Insper Liderança. Segundo ele, passamos por uma crise civilizatória e de liderança global que está muito relacionada à economia, voltada ao individualismo, competição e, consequentemente, padronização de pensamentos e cultura.
Segundo ele a sociedade enfrenta três principais desapontamentos:
Com isso, o especialista conclui que a humanidade precisará buscar outras formas de sobrevivência, menos dependentes do consumo. Economistas já previam que em certo momento a economia seria algo secundário, uma vez que a humanidade já se sacrificou muito pelo crescimento econômico e agora precisa buscar outras formas de realização.
Por outro lado, as métricas e rankings estimulam a competição dos países por crescimento e lucro. O PIB, por exemplo, é visto por Giannetti como uma medida desastrada de mensuração, uma vez que não considera outras variáveis. O economista dá um exemplo: se uma comunidade polui seus rios e afluentes, passarão a importar água mineral e engarrafá-la. O PIB irá registrar um aumento de receita, mas não considera a qualidade de vida e outros indicadores. Exatamente por isso é interessante termos mais de um índice controlador, a fim de balancear e olhar além. “O conceito de felicidade é muito relativo e particular em cada nação”, reforça.
Giannetti aponta três momentos em que a sociedade viveu sonhos coletivos: virada do século XVIII para XIX; anos 20 (modernismo) e anos 60. Essas foram épocas em que se acreditava em um futuro melhor do que o passado e presente. No entanto, dos anos 80 pra cá, as pessoas estão mais individualistas e perderam parte desta crença. Os países, de forma geral, perderam o entendimento de liderança cultural – perde-se a perspectiva de sociedade e de coletivo e, portanto, a consciência política deste coletivo.
Assista na íntegra:
Um outro problema deste individualismo se evidencia nas relações de trabalho. O brasileiro, culturalmente, é cordial e afetivo. Não gosta de ambientes impessoais e isso se estende ao mundo corporativo: o brasileiro deseja reconhecimento e as crises de liderança também estão presentes neste ambiente.
O economista atribuiu parte deste problema à característica de nossos pensadores que normalmente buscam a identidade do país olhando para trás e não para frente. “O único que buscou uma visão de futuro foi Oswald de Andrade, mas de uma forma muito anárquica. Por isso tive vontade de escrever o livro Trópicos Utópicos, trazendo essa visão para a identidade nacional”, reforça Giannetti.
De acordo com Giannetti, duas linhas de pensamento principais direcionam os pesquisadores brasileiros a respeito das perspectivas do país:
Miméticos: acreditam que o Brasil deseja ser exatamente como os países de primeiro mundo (Europa e EUA). Para alcançar o sucesso e prosperidade econômica, basta copiá-los e se ainda não chegamos lá é porque não fomos competentes.
Proféticos: defendem que o Brasil não é simplesmente a cópia de um modelo inalcançado. Temos condições de sermos originais. Não chegamos lá porque não queremos – estamos baseados em outros valores e orientações.
Neste sentido, Giannetti defende que o país deve ter personalidade, de acordo com sua cultura e particularidades.Assim como outros países latinos devem encontrar modelos que lhes caibam. O economista acredita que cada civilização pode buscar alternativas dentro de uma cultura nacional.
Quando questionado sobre as lideranças políticas que surgiram recentemente, Giannetti reforça o papel da educação neste processo e a importância de que ela seja a porta de entrada para os problemas. Segundo ele, Lula perdeu a oportunidade de trabalhar melhor este tema. Passou a imagem de que basta esperteza e relacionamento para ocupar um cargo de liderança. Marina Silva e Joaquim Barbosa, por outra lado, também vieram de famílias humildes, mas utilizaram a educação como ferramenta.
“Espero que as eleições de 2014 tenham sido um aprendizado”. Apesar da consciência política mais aflorada, o palestrante apontou sua preocupação com a falta de renovação das lideranças. Com esta falha, “aventureiros” podem se aproveitar para ganhar espaço. E podem conseguir.
Giannetti defendeu em muitos momentos as relações mais humanas e emocionais. A idolatria pelo sucesso e riqueza estão atropelando os vínculos afetivos. “As pessoas conhecem as ações da bolsa de quatro países, mas não conhecem seus vizinhos”, apontou.
Segundo ele, as relações mais equilibradas se estabelecem a partir do momento em que temos tranquilidade de assumirmos quem nós somos. Por outro lado, reforça que isso não deve ser confundido com conformismo. “É mais sobre uma questão ética e de valores. O propósito do meu livro é provocar sonhos coletivos e bagunçar a cabeça dos economistas”, brinca o pesquisador.
O Insper Liderança é um ciclo de entrevistas à respeito da liderança geral e política. Os eventos debatem os desafios do país e a carência de formação e da atuação de líderes que possam promover mudanças essenciais para nossa sociedade.
Para o quarto evento da série, recebemos Eduardo Giannetti, economista brasileiro, graduado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e em Ciências Sociais, ambas da Universidade de São Paulo. Também possui doutorado em economia pela Universidade de Cambridge. Foi professor do Insper e assessor da candidata Marina Silva durante as eleições presidenciais de 2014.
Com alto conhecimento político e econômico, Giannetti é autor de livros renomados, dois deles vencedores do prêmio Jabuti: em 1994, com o livro Vícios privados, benefícios públicos? (Cia. das Letras, 1993) e, em 1995, com As partes & o todo (Siciliano, 1995). Recentemente publicou o livro “Trópicos Utópicos” que discute temas como identidade nacional e o futuro do país – principais pontos debatidos durante o encontro da série Insper Liderança.
O economista debateu ao lado dos professores Carlos Melo e Fernando Schüler, integrantes do Núcleo Político e Social do Centro de Liderança e Inovação do Insper.
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