19/02/2016
As agências reguladoras, criadas ao longo do mandato de Fernando Henrique Cardoso, perderam protagonismo nos últimos 12 anos. Fundamental para assegurar previsibilidade no ambiente de negócios, os órgãos de regulação do mercado aguardam por uma nova legislação, em tramitação no Senado. Para discutir as melhores práticas mundiais e o andamento das mudanças no país, o Centro de Pesquisas em Estratégia do Insper reuniu especialistas no Workshop “Como aprimorar o marco regulatório no Brasil”, na sala Amador Aguiar, na manhã da segunda-feira, 15 de fevereiro.
“Um ponto importante para a retração de investimentos externos é a incerteza regulatória, sem precedentes nos últimos anos”, afirmou o professor titular do Insper Sérgio Lazzarini na abertura do evento. “Há a sensação de instabilidade de regras e previsibilidade no longo prazo.” A regulação, disse Lazzarini, saiu de cena do debate público atualmente, apesar de sua importância.
O ambiente regulatório, de acordo com Lazzarini, influencia outros setores da economia, como as estatais – sem obedecerem a regras claras, as empresas ficam expostas a atos discricionários, por exemplo. O tema é particularmente oportuno por conta de dois projetos de Lei, que modificam as regras de funcionamento das agências de regulação no Brasil. São essas mudanças que foram foco de discussão no debate realizado, partindo-se do diagnóstico de que há problemas de efetividade e qualidade regulatória que podem comprometer o desenvolvimento econômico do país.
OCDE
A regulação como sinônimo de segurança econômica e regras claras para abrir a economia é um tema recente, mesmo na Europa, segundo Luiz de Mello, deputy director do Public Governance and Territorial Development Directorade da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Até muito recentemente, quando se falava em regulação pensava-se imediatamente em agências e indústrias de rede, dando-se pouca ênfase a uma visão geral da regulação da atividade econômica”, disse Mello.
O trabalho atual da OCDE é justamente ampliar o leque de temas que são analisados a respeito da regulação, para além dos mecanismos tradicionais. “Hoje, a regulação, como as políticas fiscal e monetária, são as grandes ferramentas de política econômica que o estado moderno possui. É impossível pensar numa agenda de natureza microeconômica sem enfrentar a questão da regulação.”
A regulação, de acordo com Mello, é um forte instrumento para a construção de mercados mais eficientes e competitivos, mas também é importante no estabelecimento de padrões em áreas como, por exemplo, saúde e educação.
“A OCDE tem uma recomendação, um conjunto de princípios adotados pelos países membros que se comprometem com algumas obrigações e busca melhores práticas internacionais, o Recommendation of the Council on Regulatory Policy and Governance“, afirmou Mello.
“No ano passado lançamos o Regulatory Policy Outlook, com análises e perspectivas sobre regulação entre os países membros e indicadores sobre o estado da arte nos países da OCDE.”
No Outlook, foram enfatizados três instrumentos de políticas regulatórias: consultas públicas (o engajamento da sociedade e dos stakeholders), análise de impacto regulatório (requerimentos e práticas de países analisados) e análise ex post, que mede os efeitos da regulação no mercado. “Foi interessante por mostrar o que os países vêm fazendo em termos de regulação, quais são as perspectivas, o que será feito nos próximos anos”, disse Mello. “Surgiram da análise 12 princípios para a prática da regulação. Isso se tornou um benchmark.”
“Em todos os países europeus que analisamos percebemos um grande esforço para trazer a regulação a níveis políticos mais altos”, afirmou Mello. “Por exemplo, colocar a prática regulatória em forma de lei e levar a política regulatória para o centro do governo, o que no Brasil equivaleria à Casa Civil.” A OCDE criou um indicador metodológico para avaliar a eficácia das políticas regulatórias e seu impacto baseado em tripé: nível de transparência, controle de qualidade e como se faz a adoção sistemática das práticas dentro do governo.
Um novo desafio para a OCDE é a discussão de políticas regulatórias em grandes acordos internacionais. “Hoje, a questão da regulação é mais importante que a discussão de tarifas”, afirmou Mello. “É uma demanda de países envolvidos nesses acordos.” A organização trabalha com uma rede de reguladores não ligados a governos, com o objetivo de criar práticas de excelência, baseadas em sete princípios criados pelos próprios agentes reguladores.
Propostas de lei de regulação no Brasil
As agências reguladoras começaram a surgir no Brasil há pouco menos de 20 anos para reagir à abertura de alguns setores da economia à iniciativa privada. “Esse modelo ainda é bastante incompleto e precisa de aperfeiçoamento”, afirmou o advogado Luiz Alberto dos Santos, consultor legislativo do Senado e ex-subchefe da Casa Civil. “Temos uma experiência limitada, ainda incompleta.”
No início do primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva a ação das agências foi tema de debates acalorados, de acordo com Santos, a partir da percepção de que havia fragilidades no modelo instituído. “Na época, se entendia que agências invadiam prerrogativas e competências do Poder Executivo.”
Naquele momento, esse debate levou à criação de um grupo de trabalho interministerial que elaborasse um diagnóstico sobre o trabalho das agências. A conclusão foi que algumas agências tinham problemas, como por exemplo a baixa accountability, uso deficiente de instrumentos de transparência e risco de captura e baixo nível de autonomia, assim como o baixo empenho de alguns ministérios quanto à supervisão do trabalho das agências e carência de recursos humanos, apontou Santos. “A discussão gerou um projeto sobre a necessidade da preservação das agências sobre o mercado e o governo, mas a partir de um redesenho institucional de seu papel”, afirmou.
Para Santos, a qualidade da regulação no Brasil, infelizmente, não tem sido avaliada por instituições internacionais. “Segundo o Banco Mundial, nossa média é inferior à média dos países da OCDE”, afirmou. Há uma série de recomendações geradas pelo Tribunal de Contas da União no sentido de implementar boas práticas nas agências, muitas alvo de projetos no âmbito do Legislativo, que estão muito em linha com as recomendações da OCDE, de acordo com o consultor legislativo.
O Congresso tem adotado medidas autônomas em relação às agências. Em 2013, o Senado adotou medidas de controle externo para as agências reguladoras. Em um trabalho da OCDE de 2008, a pedido da Casa Civil da Presidência, surgiram recomendações para a ação das agências: implantar a análise de impacto regulatório, melhorar a transparência, com maior participação social nos processos regulatórios e fortalecer mecanismos de prestação de contas, sem prejudicar a autonomia das agências. A íntegra está no site: www.regulacao.gov.br.
A Lei Geral das Agências Reguladoras, com o objetivo de estabelecer um conjunto homogêneo e estável de regras para orientar a gestão das agências, foi enviado ao Congresso em 2004 – pelo Projeto de Lei, caberia às agências a função de fiscalização e regulação das atividades econômicas, mas o poder concedente permaneceria em mãos do estado, garantindo a autonomia às agências. “A partir de um grande processo de negociação entre os setores envolvidos chegou-se a uma composição mais afinada para a preservação da autonomia e a melhoria do controle da transparência e da qualidade da regulação”, afirmou Santos. O projeto gerou um substitutivo, em 2009, do relator Ricardo Barros, da Câmara dos Deputados, que aguardava a apreciação pelo plenário da Câmara. “Infelizmente, em março de 2012 o Executivo retirou o projeto.”
Em 2013, o senador Eunício Oliveira apresentou um projeto muito semelhante ao enviado pelo Executivo, sem as adições surgidas nas negociações no Parlamento. Em setembro de 2015, o senador Walter Pinheiro, relator da matéria, apresentou um substitutivo que já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Cidadania, que resgata na íntegra a elaboração dos debates ocorridos anteriormente – e novos aportes, como a transferência do poder concedente para os ministérios, a análise de impacto regulatório e a indicação de dirigentes. O projeto agora é parte da chamada Agenda Brasil. “Esperamos que o processo ocorra agora até o final do primeiro semestre”, disse Santos.
O Projeto de Lei 495, de autoria do senador Ricardo Ferraço, pretende fortalecer as agências reguladoras, de acordo com Silvio Furtado Holanda, da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. O projeto ataca a questão da vacância de diretores nas agências criando, por exemplo, um prazo de 30 dias para a indicação de substitutos, e a indicação de diretores com capacitação técnica, com pelo menos cinco anos de atuação na área específica. Outras medidas propostas são a criação de quarentena de um ano (hoje são quatro meses) e mandatos de quatro anos sem recondução. A intenção é estender as novas regras à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Susep (Superintendência de Seguros Privados) e Previc (que regula a previdência complementar).
O debate que se seguiu às exposições, com a participação de Carlos Ari Sundfeld, da FGV, Claudia Viegas, da LCA, Marcos Mendes, da Consultoria Legislativa do Senado, e Paulo Furquim de Azevedo, responsável pelo Centro de Pesquisas em Estratégia (CPE) do Insper, além da íntegra das palestras, está no vídeo que foi transmitido ao vivo. As apresentações podem ser acessadas na página do evento, no site do CPE.
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