24/05/2018
O Banco Mundial estima que anualmente seja pago US$ 1,5 trilhão em propinas no mundo e que boa parcela desse dinheiro sai de empresas. Por este motivo, acabar com a corrupção não é só uma obrigação ética, mas também econômica.
A análise de dados pode ser uma importante aliada no combate a essa prática tão nociva para a sociedade ao ajudar no monitoramento e na medição de efetividade de sistemas anticorrupção.
A avaliação é da advogada do Compliance Counsel Expert do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Hui Chen. Guilherme Donegá, consultor da Transparência Internacional e autor do estudo Transparência em Relatórios Corporativos: as 100 Maiores Empresas e os 10 Maiores Bancos Brasileiros (TRAC), reforça este entendimento, com estudos realizados com as maiores empresas do Brasil.
“Hoje quando se fala em corrupção, existe uma tendência a polarizar politicamente o assunto e isso faz com que ânimos se acirrem e você deixa de ter um debate qualificado para chegar a um consenso sobre o que fazer para acabar com a corrupção”, analisou Donegá em palestra no Insper. “Todos os países do mundo têm corrupção. A questão é o que eles estão fazendo para acabar, ou pelo menos diminuir, essa corrupção.”
A Transparência Internacional, ONG que atua no apoio e articulação de grupos locais de combate a práticas ilícitas, divide a corrupção no Brasil em pequena corrupção, quando no nível do cidadão comum, e grande corrupção, que se caracteriza pelo abuso do alto nível de poder, beneficiando poucos a custas de muitos e causando danos graves à sociedade. Essa separação é fruto de dois estudos da ONG.
O primeiro é o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) – 2017, que mede a percepção dos cidadãos em relação à corrupção. A escala vai de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto). Em 2017, o Brasil registrou 37 pontos e apareceu em 96° lugar, caindo 17 posições em relação ao ano anterior, quando alcançou 40 pontos. A média da América Latina é de 44 pontos. Apenas Libéria e Bahrein mostraram recuo maior que o país.
É importante lembrar que o índice não mede a corrupção em si, mas sim a percepção da corrupção. No entanto, neste caso, a percepção é um ótimo indicativo da realidade.
Outro estudo é o Barômetro Global da Corrupção, que mede a corrupção das pessoas físicas. No Brasil, 11% dos entrevistados disseram ter repassado propina para acessar serviços básicos de saúde, educação, saneamento, polícia, justiça ou emissão de documentos. É a segunda menor taxa entre os países da América Latina, atrás de Trinidad e Tobago, com 6%. O México encabeça a lista com 52%.
O número pode parecer baixo em relação aos países latinos, mas nem se compara com as taxas alcançadas em países como Alemanha, onde o índice foi de 3%, ou a França, com 1%, ou o Reino Unido, onde 0% dos entrevistados relataram ter pago propina para ter acesso a serviços.
O cruzamento dos dados dos dois estudos indica que o problema da corrupção do Brasil precisa ser tratado nos níveis institucionais. Para Donegá, a solução para erradicar a grande corrupção, que acontece também dentro do setor privado, são os programas de compliance. No entanto, o especialista alerta que é preciso mais do que ter as boas práticas no papel.
A Transparência Internacional aponta três iniciativas básicas para efetividade em programas de compliance: expor publicamente as políticas anticorrupção, mostrar com transparência a estrutura dos grupos empresariais e prestar contas sobre o que é feito em todos os países em que se atua.
Um dos caminhos apontados pela Transparência Internacional para trazer maior efetividade aos programas de compliance é o treinamento. Para Donegá, empresas devem adotar um treinamento anticorrupção universal, sobretudo para altos cargos e diretoria. Dados do TRAC revelam que apenas 31 das 110 empresas pesquisadas treinam todo quadro de colaboradores, incluindo alta chefia.
Outro dado preocupante do estudo é que apenas 62 empresas, das 110 pesquisadas, divulgam compromisso pessoal da alta liderança com o combate à corrupção. O apoio da alta liderança é essencial para a implementação de sistemas de compliance efetivos, uma vez que as maiores transações acontecem nos cargos mais altos.
“Quando uma empresa divulga em detalhes seu programa anticorrupção, assume um compromisso público: qualquer stakeholder, seja empregado, cliente, investidor ou regulador, terá elementos para verificar se a promessa está sendo levada adiante e exercer pressão para que isso de fato ocorra”, pontua o estudo.
Além de muito treinamento, sobretudo para altos cargos, a transparência é essencial para a efetividade de um programa de compliance. Donegá aponta que é necessário a divulgação da estrutura dos grupos empresariais e a prestação de contas sobre o que é feito em todos os países em que se atua.Ser mais transparente possibilita maior monitoramento e menos corrupção.
“É importante para sociedade saber que o lucro que a empresa está gerando é condizente com o valor de contribuições e impostos”, destaca o especialista.
A análise de dados pode ser usada para trazer mais efetividade aos programas de compliance, observa Chen.
“Empresas investem bens preciosos, como tempo e dinheiro, em atividades de compliance. Os dados podem mostrar quais são os retornos deste investimento. Só a empresa tem ideia do quão efetivo é o seu sistema de compliance”, aponta Chen.
A efetividade dos programas de compliance nas empresas e como isso pode acelerar o combate à corrupção no Brasil foi tema do evento Efetividade dos Sistemas de Compliance através de uma Abordagem “SMARTer”, realizado no Insper no último dia 5.
O debate, que contou com a participação de Guilherme Donegá, Hui Chen e alunos do Insper, foi transmitido ao vivo e pode ser assistido na íntegra:
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