Fachada do STJ, em Brasília
Num tribunal, decisões sobre um caso usualmente se valem de citações de julgados anteriores sobre o tema correlato. Há decisões que são muito, e outras que são pouco, mencionadas. Pode-se conceber, portanto, que cada peça avaliada naquela corte se conecta a outras que a precederam, formando uma teia com nós mais densos que outros.
Essa concepção, que também embasa sistemas de buscas de conteúdo na internet, foi utilizada por José Luiz Nunes, da FGV-RJ e PUC-RJ, e Ivar Hartmann, do Insper, para descrever e analisar a parte da litigância do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que lida com direito empresarial.
Os pesquisadores concluem que essa jurisprudência é dominada por poucas decisões, que giram em torno do mecanismo que, no passado, facultava ao cliente da telefonia fixa adquirir ações das companhias prestadoras do serviço.
Pela primeira vez que se tem notícia, no Brasil e fora dele, um estudo com essa modelagem analisou a jurisprudência de um tribunal superior com volume tão grande de decisões. No período pesquisado, de 2008 a 2018, o STJ proferiu 282.040 manifestações que podem ser classificadas no campo do direito empresarial.
Como falta nas cortes superiores brasileiras a descrição sistemática e padronizada dos precedentes citados em cada decisão –nos chamados metadados–, os pesquisadores puseram-se a preencher essa lacuna. Vasculharam manualmente o inteiro teor de 80 decisões, estabeleceram as conexões com antecedentes e depois utilizaram essa amostra anotada como parâmetro para calibrar um mecanismo automático de identificação de precedentes no conjunto das manifestações do STJ sobre direito empresarial.
Criou-se assim uma rede completa da jurisprudência da corte no tema e no período avaliados, em que cada decisão singular corresponde a um nó (“node”, em inglês), e as conexões entre uma e outra são as arestas (“edges”), que no caso das manifestações de tribunais sempre vão no sentido do mais novo para o mais antigo.
A relevância de cada decisão pôde assim ser aferida pelo volume de citações que carrega e também pela qualidade da fonte dessas citações –a menção num julgado do plenário do STJ pesa mais que a de uma decisão menos importante hierarquicamente.
Retirando da análise as súmulas –sínteses da jurisprudência que os tribunais publicam para orientar futuras decisões sobre o mesmo litígio–, surgiram os casos mais relevantes na temática do direito empresarial.
Os que ocupam o topo da lista estão relacionados ao dispositivo pelo qual clientes de telefonia fixa tinham, no passado, a opção de tornar-se sócios das empresas telefônicas ao adquirir uma linha. A temática perpassa os três conjuntos (“clusters”) de decisões mais relevantes, responsáveis por 28,9% de todos os casos no âmbito do STJ com citações referentes a direito empresarial no período estudado.
A decisão que encabeça o ranking de relevância, de 2007, curiosamente não foi a precursora a tratar do questionamento, contrariando a ideia corrente em estudos especializados de que a precedência no tempo é fator a determinar sua relevância.
Esse é um entre outros fatores apontados pelos autores na defesa do estabelecimento de métodos quantitativos para a análise da jurisprudência dos tribunais superiores no Brasil, um campo ainda dominado por abordagens subjetivas e pouco sistemáticas.
Leia o estudo
“A quantitative approach to ranking corporate law precedents in the Brazilian Superior Court of Justice”