“Enquanto os cursos de Direito continuarem com seus currículos baseados na virada do século XIX para o XX não haverá qualquer compatibilidade entre o profissional e a nova demanda do mercado jurídico. É mais do que necessário repensar a forma como se ensina o Direito.” O alerta é do coordenador do Insper Direito, Rodrigo Rebouças, que pondera as transformações que a consolidação da tecnologia vem promovendo em escritórios e departamentos jurídicos de empresas e nos sistemas judiciais por todo o mundo.
A adoção das lawtechs vem simplificando a rotina do Direito e oferecendo soluções que possibilitam otimizar tempo dos profissionais, além de gerar economia. Nos Estados Unidos, por exemplo, o modelo iniciou com ações jurídicas repetitivas e de grandes volumes, envolvendo especialmente relações de consumo de instituições financeiras e telefonia. Planilhas e bancos de dados sistemáticos vêm permitindo a produção de peças processuais que se diferenciam apenas quanto ao fim reclamado. Desta forma, uma ação pleiteando o estorno de uma tarifa bancária segue o mesmo princípio de uma ação pedindo a devolução de recursos investidos em telefonia, tornando mais previsível a solução final e a possibilidade de recursos.
Rebouças destaca que as recentes tecnologias estão sendo decisivas na construção de um padrão no caso de atividades jurídicas repetitivas e também na diminuição de controvérsias. É consenso que o Direito vive um momento de ressignificação do seu exercício, muito devido a efeitos da revolução digital. Esse é um dos mercados que mais mudou sua forma de operação e seus processos de trabalho nas últimas décadas e a transformação segue. A tecnologia vai possibilitar uma nova formatação dos serviços jurídicos e os profissionais precisam estar prontos para isso.
Uma das mudanças que essa tendência deve promover é o aprimoramento do trabalho realizado pelo advogado. “O operador do Direito que trabalha apenas com atividades repetitivas e que não demandam grande desenvolvimento de raciocínio crítico serão facilmente substituídos por softwares, robôs e inteligência artificial”, prevê o professor. “O futuro do exercício da profissão passa, necessariamente, pelo desenvolvimento de atividades que demandem raciocínio crítico e que o profissional se desenvolva tecnicamente para passar a implementar soluções tecnológicas”, reforça. Além do profundo conhecimento técnico-jurídico, Rebouças recomenda que o profissional também busque conhecimento em atividades específicas de Tecnologia, como programação de dados e análise de códigos fonte de programação, por exemplo.
Economia e o novo profissional
A tecnologia também promete reduzir custos. A economia vem da redução do quadro de pessoal nos departamentos e escritórios especializados, mas é importante lembrar que sempre que uma atividade deixa de existir, outras surgem. “A tecnologia gera mercado para profissionais que atuem no desenvolvimento de soluções e essas mesmas soluções geram maior disponibilidade de tempo para a análise e estudo de questões que realmente demandem raciocínio crítico, favorecendo os profissionais mais qualificados”, analisa Rebouças.
O desenvolvimento do novo mercado forma um novo perfil de profissional, o chamado “engenheiro jurídico”, que será capaz de realizar programação de dados de soluções jurídicas, aliando o conhecimento das leis com a tecnologia. Esse novo especialista estará apto a trabalhar com grandes volumes de dados, extraindo tendências dos tribunais em determinados temas. Emissão de contratos, cédulas de crédito e operações contratuais são alguns dos outros campos de atuação que ficam aquecidas.
Com as atuais soluções desenvolvidas com blockchain, ou outras tecnologias que permitam a transparência e segurança da informação, será possível substituir o atual meio físico por um meio eletrônico com maior segurança. Os smart contracts são exemplo disso por serem desenvolvidos sobre uma plataforma de blockchain que permite a auto-execução do contrato.
Para que as lawtechs ganhem espaço no Brasil de forma adequada é preciso desenvolver o setor jurídico, que já está em transformação, e qualificar os profissionais para que tenham conhecimento multidisciplinar e estejam preparados para atuar nesse novo mercado. A tecnologia sempre segue adiante impactando todos os setores.