De 2009 a 2017, o número anual de processos na primeira instância da Justiça relativos a saúde no Brasil praticamente triplicou. O movimento destoou fortemente da tendência nacional para o conjunto dos processos judiciais, que declinou ligeiramente no período.
A chamada judicialização da saúde não é necessariamente um problema. Trata-se, no caso da saúde pública, de um direito previsto na Constituição, e demandá-lo dos juízes pode fazer com que o sistema funcione com mais eficiência e equidade.
No caso da saúde privada, o recurso às cortes também pode ser uma via virtuosa para que os contratos entre operadoras e seus clientes sejam cumpridos e respeitem as regras específicas.
Por outro lado, parte desses processos recai sobre procedimentos e medicamentos não previstos nos contratos das operadoras de saúde nem pela política pública, muitas vezes com alto custo para o erário e sem eficácia comprovada.
Esse debate envolve a disputa pela alocação de recursos na sociedade. A União, por exemplo, teve de retirar R$ 1,3 bilhões em 2016 de outros programas para pagar a conta da judicialização.
Veja a seguir os infográficos baseados no estudo “Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de soluções” elaborado pelo Insper para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Processos triplicam na primeira instância
O número de processos em primeira instância relacionados à saúde aumentou aceleradamente de 2009 a 2017. No período, a quantidade de casos cresceu 198%, enquanto o total de processos entrando na Justiça nacional diminuiu 6%. Em 2017, 95,7 mil demandas acerca de saúde começaram a tramitar no Judiciário brasileiro.
Movimento também se intensifica na segunda instância
De 2009 a 2017, as ações sobre saúde cresceram 85% nos tribunais de segunda instância, especializados em apelações. No mesmo período, o volume total de processos nesse segundo grau de jurisdição cresceu 32%.
Nem todos os processos tramitando na primeira instância chegam à etapa seguinte, mas o crescimento da judicialização da saúde também nesse nível do Judiciário indica um movimento generalizado no país.
“Plano de Saúde”, “Seguro” e “Saúde” dominam as demandas
“Plano de saúde”, “seguro” e “saúde” são os temas mais discutidos nos processos de primeira e segunda instância. Plano de saúde e seguro mostram a litigância da saúde privada (suplementar).
Os casos do setor público agrupam-se como “saúde” e representam 12% das ações na primeira instância e 14% na segunda. Além desses temas gerais de acesso à saúde, os assuntos mais tratados são medicamentos e tratamentos médico-hospitalares.
Nas decisões, prevalecem demandas por medicamentos e produtos
Uma decisão em segunda instância, chamada de acórdão, pode deliberar sobre mais de um tema, razão pela qual os números não somam 100%.
Quase 70% dos acórdãos envolvem disputa por medicamentos. Órteses e próteses, também muito exigidas, surgem em 63% das decisões.
Decisões recorrem pouco a órgãos que fornecem parâmetros técnicos
Os chamados Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT) são instâncias internas que os tribunais estaduais desenvolveram para análise técnica das demandas em saúde. No total, apenas 0,29% dos acórdãos citam os NAT, número que embute variação regional. No Centro-Oeste, 2,71% decisões mencionam esses órgãos especializados.
Já a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS (Conitec) e seus respectivos protocolos, responsáveis por indicar ao Ministério da Saúde quais tecnologias e práticas devem ser incorporadas ao SUS, aparecem em menos de 0,51% das decisões. Protocolos são citados em 5,83% dos casos.
Judicialização consome cada vez mais verba do SUS
Em 2016, o gasto com demandas judiciais na saúde consumiu R$ 1,3 bilhões. A lista com os dez medicamentos mais caros é responsável por 90% desse valor.
O dinheiro está saindo de outros programas da saúde e de outros segmentos do orçamento federal, embora haja pouca clareza e avaliação sobre os impactos mais gerais desse fenômeno.
Saiba Mais/Fontes:
Eventos Relacionados:
No dia 03/06, o Insper promoveu o seminário Desafios da gestão da saúde pública, que trará ao debate temas como financiamento e judicialização na saúde. Saiba mais.
Errata: Versão anterior desta reportagem utilizava, incorretamente, os dados de citações a órgãos técnicos desatualizados. A informação foi corrigida.
Atualização: 18/07/2019 às 15h07