Necessidade de planejamento e custos necessários para desenvolver o modelo no Brasil foram discutidos pelo professor William Summerhill
O modelo logístico brasileiro muito focado no transporte rodoviário é alvo de críticas constantes e mostrou como pode ser um problema para a economia na recente greve dos caminhoneiros que parou o país e gerou perdas de cerca R$ 15 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. A importância de diversificar esse modelo com ampliação da rede ferroviária no Brasil, assim como o planejamento e custos para desenvolver o transporte de cargas por trens foi tema de debate no Insper a partir do olhar do brasilianista William Summerhill, que estuda a logística ferroviária do país desde o período imperial.
O historiador econômico da Universidade da Califórnia de Los Angeles (UCLA) esteve no Insper para o lançamento e debate da versão em português de seu livro Trilhos do Desenvolvimento: As Ferrovias no Crescimento da Economia Brasileira de 1854 – 1913 no evento Desafios e Entraves para o Desenvolvimento do Transporte Brasileiro.
O encontro reuniu ainda Guilherme Quintella, CEO da consultora brasileira de logística EDLP – Estação da Luz Participações, Paul Procee, líder de Infraestrutura no Banco Mundial, Fabio Coelho Barbosa, coordenador de Transportes, Recursos Naturais e Saneamento da Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda, Fernando Silveira Camargo, Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, Procurador no Ministério Público de Contas da União do TCU, Samuel Pêssoa, economista e colunista da Folha de S. Paulo, Sérgio Lazzarini, professor titular da Cátedra Chafi Haddad do Insper e João Gabriel de Lima, coordenador dos cursos de Jornalismo do Insper.
“A disposição das linhas férreas no Brasil representou entre 10% e 60% no aumento de produtividade do país. A taxa de retorno social para a economia ficou entre 18% e 23%. É difícil encontrar algo neste sentido hoje em dia”, analisa Summerhill, com base nos dados levantados para o seu livro e que aborda os anos de 1854 a 1913, período em que houve maior investimento em transporte ferroviário no país. Em 1913 existiam 23 mil quilômetros de ferrovias em operação no país. O autor destaca que o maior motivo para o declínio de investimentos em ferrovias ao longo do século XX foi a troca para o transporte rodoviário, que teve grande crescimento e continua sendo o mais utilizado até os dias de hoje.
Paul Procee, líder de Infraestrutura no Banco Mundial, alerta para a importância de planejamento como fator mais decisivo que investimento. “A gente tem que pensar no custo de não fazer. O custo de não ter aquela estrada de ferro, de não ter aquele metrô, como se mede isso?”, reflete. Atualmente, o país tem 30.000km de ferrovia e utiliza apenas 10.000km efetivamente. Em densidade ferroviária, o Brasil tem apenas 3,6km/km², em contraste com 23km/km² dos EUA, país com a maior malha ferroviária do mundo. O número é medido dividindo a quantidade de quilômetros de ferrovia por 1000km². No ranking do Fórum Econômico Mundial, que avalia especialmente a infraestrutura, o Brasil está entre as piores posições, ficando em 83º lugar entre 137 países. O investimento nacional em infraestrutura foi de 1,7% do PIB ano passado, enquanto a Índia, por exemplo, investiu 5,5% do PIB.
“O Brasil já conseguiu desenvolver medidas desafiadoras em momentos de encruzilhada, e o que foi feito com ferrovias no século XIX é um bom exemplo disso”, analisa Guilherme Quintella, CEO da EDLP.
A resistência da população a novas tecnologias e meios de transporte também foi apontada como um fator que inibe investimentos nas ferrovias, assim como o oportunismo político para engatar projetos. “A gente percebe nitidamente que os projetos só são colocados para andar de acordo com a agenda eleitoral, e isso está matando o país”, ressalta Fábio Coelho Barbosa.
Outro ponto debatido no encontro foi a importância da questão regulatória, com um modelo claro de negócios e que não deixe dúvidas a respeito de tarifas e direito de passagens. “Não podemos fazer as coisas em um ritmo acelerado pelo calendário eleitoral. O compromisso deve ser com a qualidade, e não com a pressa”, destaca Júlio Marcelo de Oliveira, do TCU.
Histórico nacional
A primeira ferrovia construída no Brasil foi a Estrada de Ferro Mauá, no Rio de Janeiro. Com 14km de extensão à época, o trecho foi inaugurado por D. Pedro II em 1859, ano em que começa o período abrangido por Summerhill em sua pesquisa. O autor analisa a segunda metade do século XIX e o início do século XX, mostrando a importância que os investimentos no transporte ferroviário tiveram para o crescimento da economia nesse período e conclui que, sem isso, o PIB do país teria sido menor e a estagnação financeira maior.
O historiador ressalta a importância dos investimentos estrangeiros, principalmente de origem inglesa, para as construções das ferrovias nos séculos passados. As transações eram auxiliadas por uma garantia de taxa mínima dos lucros de companhias ferroviárias, motivado pela boa reputação do Brasil na época.
“Os governantes sabiam o que era necessário para recuperar a credibilidade do governo brasileiro: sanar completamente as dívidas em prazo estabelecido por contrato. Quando o Brasil prometia uma garantia de juros, eles tinham credibilidade no mercado. Era um ambiente extremamente favorável para o investimento em infraestrutura”, destaca o autor. “Tem que correr duas vezes mais rápido agora para chegar no lugar em que o Brasil já ocupava no mercado internacional no início do século XX”, avalia o professor.