As fintechs estão protagonizando o debate sobre o mercado bancário e tecnologia, gerando novas tendências e promovendo reflexões sobre como deve ser sua atuação. O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou este ano a resolução 4656/18, permitindo que empresas de tecnologia do setor financeiro concedam crédito sem a necessidade da intermediação de um banco e passando a regular startups e novas empresas facilitadoras. Com menos de um mês de sua publicação, o mercado assistia o Banco Neon ter decretada sua liquidação extrajudicial em maio. A regulamentação, seus impactos e as implicações que atingiram a Neon foram discutidos em evento do Insper nesse mês de junho.
O professor do Insper especialista em regulamentação, Eduardo Dotta, participou junto com o chefe do Departamento de Regimes de Resolução de Instituições Financeiras e Instituições de Pagamento do Banco Central do Brasil (BC), Climério Leite Pereira; o presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Rodrigo Soeiro; o empresário José Luiz Rodrigues, da JL Rodrigues, Carlos Atila & Consultores Associados conselheiro da ABFintech; e Leonardo Cruz, da Pinheiro Neto Advogados, representando a Neon Pagamentos; do encontro Fintopics: Case Neon Regulamentação e seus Impactos.
A resolução 4656/18 tem como principais diretrizes a supressão do banco intermediário, que até então era necessário, e a criação de mais dois segmentos de instituições financeiras: as Sociedades de Crédito Direto e as Sociedades (SCD) de Empréstimos entre Pessoas (SEP), também conhecida pelo mercado como peer to peer – as chamadas fintechs de crédito. Com a medida, as fintechs podem atuar em segmentos antes restritos a instituições financeiras tradicionais, como análise de crédito e seguros. Como instituições do sistema financeiro nacional, as fintechs passaram a ficar sujeitas também a intervenções das autoridades regulatórias brasileiras. “Esses serviços financeiros existem para facilitar a vida das pessoas, mas não podem facilitar as atividades ilícitas”, alerta Pereira.
É praxe que o Banco Central decrete Regime de Administração Especial Temporário (RAET) em casos em que a instituição tenha porte ou complexidade tão grandes que a paralisação de suas atividades possa interferir no sistema financeiro como um todo. A intervenção é uma medida um pouco mais severa – paralisa as transações até que a situação financeira da fintech seja regularizada -, enquanto a liquidação extrajudicial, como o próprio nome diz, liquida a empresa e, na maioria das vezes, é encerrada por meio da falência.
Banco Neon
Foi o que aconteceu com o Banco Neon no início deste ano. A liquidação extrajudicial foi realizada devido ao comprometimento da situação financeira e da existência de graves violações a normas legais e regulamentares pela fintech. Parceira do banco, a Neon Pagamentos – que apesar do mesmo nome é uma pessoa jurídica distinta do Banco Neon -, se viu sem a parceria necessária para dar sequência à sua operação. Em 48 horas de grandes esforços dos gestores da fintech, a Neon Pagamentos conseguiu uma nova parceria para viabilização de sua operação, dessa vez com o Banco Votorantim. “A grande lição regulatória que fica disso é que todos os recursos depositados em contas de pagamentos dos clientes foram totalmente preservados, porque o Banco Central entendeu que esse patrimônio não se mistura com a instituição que faz a custódia desse recurso – no caso, o Banco Neon”, explica Cruz, advogado da Pinheiro Neto.
Regulação na prática
Para o professor do Insper Eduardo Dotta, entre as principais vantagens da recente regulamentação estão a competitividade que as fintechs agregam ao mercado, contribuindo para menores taxas de juros, além de nova oportunidade de investimentos, mais agilidade e melhor abordagem com o cliente. “A regulamentação gera maior credibilidade para esse mercado, porque agora tem a figura do xerife regulatório; é mais uma chancela estatal”, avalia.
“A regra de acesso é clara e multidisciplinar e precisa ser olhada em seus vários aspectos, entre eles o jurídico, contábil, econômico, que levam ao sucesso do empreendimento e na segurança do negócio”, acrescenta José Luiz Rodrigues, gestor da JL Rodrigues, consultoria especializada em regulação, acesso, supervisão do Sistema Financeiro Nacional e mercado de capitais.
Cenário
“O Brasil já é um hub de fintechs”, afirma Rodrigo Soeiro, presidente da ABFintechs. O Brasil conta hoje com cerca de 500 instituições, sendo 67% de negócios B2B. Pesquisa realizada com 73% dos associados da ABFintechs mostrou ainda que 85% das empresas estão no Sudeste, 68,5% em fase superior a início, e 75% não foi e não quer ser acelerada – devido às altas taxas de equity cobradas pelas aceleradoras. Os dados informam também que 87% fariam parcerias com outras fintechs e 68% buscam investimentos acima de R$ 1 milhão, por isso a associação mira no mercado internacional, onde há capital de risco para investimentos nessas empresas.
Soeiro defende que é necessária uma mudança de mentalidade: “Acho que o Brasil pode ser tratado da mesma maneira que hoje nós enxergamos Israel, como exportador de tecnologia de segurança. Nossa intenção é transformar o país em exportador de tecnologia financeira”, destaca.
Confira o evento na íntegra: