Garantir a competitividade em alguns setores da economia é um dos desafios da gestão pública. Há, por exemplo, estudos que comprovam que a quebra de barreiras para a transferência de linhas telefônicas de uma operadora para outra aumentou a competição entre empresas, resultando na redução de preços para consumidores. Um mercado particularmente concentrado no Brasil é o bancário, e um reflexo da falta de competitividade seria o alto spread bancário.
Após 2014, a maior facilidade para brasileiros levarem suas dívidas de uma instituição para outra reduziu entre 21% a 49% o spread bancário, que é a diferença entre o custo do banco para captar dinheiro e o quanto cobra para emprestá-lo. O resultado consta de pesquisa conduzida pelos economistas Paulo Furquim Azevedo e Paulo Ribeiro, do Insper, e Gabriela Rodrigues, do Insper e da Universidade Nova de Lisboa, publicada em 2019 no “Journal of Economics and Business”.
O ponto de partida da análise é a resolução 4292 do Banco Central. Publicada no fim de 2013 e em vigor a partir do ano seguinte, ela fortaleceu o poder de escolha do consumidor, introduzindo novas regras para a portabilidade de crédito, já liberada sete anos antes. Entre as mudanças estavam a adoção de um sistema eletrônico para esse tipo de operação, a fixação de um prazo para que fosse efetuada e a determinação de que não houvesse nenhuma cobrança do cliente.
Para analisar os efeitos da medida, os pesquisadores reuniram as taxas de juros mensais praticadas por 231 instituições bancárias, públicas e privadas, de janeiro de 2012 a janeiro de 2017. Os dados abrangiam 20 modalidades de crédito, entre as quais consignado, em que a parcela é descontada automaticamente do contracheque do trabalhador, e financiamentos de veículos e imóveis.
Também foram coletadas informações acerca da conjuntura econômica, como inflação e taxa básica de juros, e das instituições bancárias, a exemplo de liquidez e taxa de investimento. A intenção era verificar e isolar outros fatores que poderiam ter refletido na variação do spread no mesmo período.
Analisando o spread bancário médio para pessoas físicas, observa-se que ele subiu de 2,78% para 3,28% depois da implantação das novas regras. Num primeiro momento, é possível concluir, então, que a resolução teria aumentado o spread para pessoas físicas.
O estudo, porém, recorre à metodologia conhecida como diferença em diferenças para investigar como se deu esse crescimento. Em resumo, a técnica consiste na análise de dois grupos em que o spread era similar antes da alteração da regra. Apenas um deles é atingido pela medida em estudo e outro não. E ambos são comparados antes e depois da resolução.
No caso da portabilidade de crédito, os empréstimos para pessoas físicas são os consumidores afetados pela resolução do BC. Já no grupo não afetado pela mudança figuraram as operações para pessoas jurídicas.
Mantida a garantia de que os grupos são parecidos antes da alteração de regra, a variação do spread bancário para pessoas jurídicas é uma boa estimativa para o que teria ocorrido com o grupo de pessoas físicas caso a resolução não estivesse em vigência, o chamado contrafactual. Ao comparar a variação do spread para pessoas físicas após a mudança com a variação da taxa para pessoas jurídicas, é possível estimar o impacto da resolução, isolado de outros fatores.
Concluídos os cálculos, observa-se que antes da resolução, a taxa para pessoas físicas era 11,7% mais baixa em relação à aplicada para empresas. Depois, tornou-se 23% menor. Ou seja, o spread para pessoas físicas poderia ter aumentado mais do que de fato aumentou se não tivesse ocorrido a mudança na portabilidade. Com isso, constata-se que o efeito da resolução foi a redução do spread, chegando a 49%.
Essa diferença foi impulsionada sobretudo pelos quatro maiores bancos –a resolução teve um impacto cerca de 30% inferior em instituições menores. Além disso, verificou-se que, para os consumidores, quanto maior o prazo do empréstimo, mais vantajosa passa a ser a portabilidade. E, por último, acirrou-se a competição do mercado.
Mais competição
Na avaliação dos pesquisadores, considerando os resultados vistos, mais benefícios podem surgir com a adoção de políticas para reduzir o custo de transações financeiras no país. Um dos exemplos mencionados é o cadastro positivo, que reúne informações acerca do histórico de pagamentos dos consumidores, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, e atribui notas a eles.
A sugestão dos economistas vai ao encontro de medidas que o BC vem tomando a fim de tornar o setor bancário mais competitivo e, consequentemente, baratear serviços.
Um dos exemplos é a derrubada de entraves para a operação de fintechs, como são chamadas as empresas de tecnologia que atuam na área financeira. Outro é o plano para adoção do sistema financeiro aberto, o open banking, espécie de plataforma para abrigar todas as informações e operações bancárias de um consumidor num único ambiente, facilitando a comparação entre produtos e serviços.
Consta ainda do conjunto de ações a criação de um sistema de pagamentos instantâneos, que pode ser lançado ainda neste ano e cujo objetivo é tornar mais ágeis as transações eletrônicas.