Prédio do Banco Central, em Brasília
O Congresso Nacional aprovou projeto de lei que possibilita ao Banco Central (BC) receber e remunerar depósitos voluntários de instituições financeiras com o objetivo de perseguir as metas da política monetária. O dispositivo confere uma alternativa que, se ganhar escala, reduzirá a utilização de títulos do Tesouro para essa finalidade, o que por sua vez poderá repercutir na série estatística da dívida pública.
A fim de fazer a taxa de juros de curto prazo convergir para a meta definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), o BC precisa ajustar diariamente a quantidade de dinheiro em circulação. Quando há excesso, a autoridade monetária recolhe esses recursos das instituições financeiras. Quando há falta de moeda, ela faz a operação inversa e libera dinheiro.
O modo atual de realizar essas operações requer o uso de títulos do Tesouro Nacional na carteira do Banco Central. Quando há necessidade de enxugar moeda, o BC toma empréstimos das instituições financeiras mediante entrega desses títulos, sob o compromisso de quitar a operação no prazo e com a taxa acordados –daí o nome de operações compromissadas. O BC age no sentido contrário quando há necessidade de injetar moeda na economia.
Pelo mecanismo aprovado no Congresso, as instituições financeiras poderão fazer o depósito remunerado e os saques de recursos diretamente no BC, sem mobilizar títulos públicos. Se a nova modalidade se expandir, haverá a necessidade de menos operações compromissadas e, no longo prazo, o Banco Central não precisará manter uma carteira de títulos com o volume da atual, que se aproxima de R$ 2 trilhões, para fins de política monetária.
Marcos Mendes, pesquisador do Insper, avaliou como a substituição das operações compromissadas por depósitos voluntários pode afetar os diferentes conceitos de dívida pública usados no Brasil: a dívida líquida do setor público, a dívida bruta do governo geral no conceito do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a dívida bruta do governo geral no conceito brasileiro.
O indicador utilizado no Brasil para expressar a dívida bruta vale-se de adaptação do conceito de “governo geral” adotado pelo FMI. Como na fórmula do fundo, a brasileira aufere os passivos dos governos federal, estaduais e municipais e exclui o das empresas estatais e do Banco Central. Mas, enquanto o FMI inclui as operações compromissadas e os papéis livres em mãos do BC como passivos do governo geral, no Brasil convencionou-se computar apenas as operações compromissadas, mas excluir a carteira de títulos livres no BC da conta.
Por isso, se houver substantiva redução das operações compromissadas diante da nova alternativa dos depósitos voluntários, haverá uma descontinuidade na medição brasileira da dívida bruta, dificultando a comparação entre os valores anteriores e posteriores à mudança.
Nesse caso, Mendes sugere a adoção do conceito do FMI, em que a redução das compromissadas acaba neutralizada pelo aumento da carteira livre de posse do BC. Outra opção seria retomar o conceito de dívida líquida do setor público, desde que os fatores que levaram ao seu descrédito no passado recente sejam sanados.
Em todo caso, o pesquisador sugere uma nova rodada de aperfeiçoamento dos indicadores, com o objetivo de separar melhor as operações típicas da política monetária, de um lado, daquelas que incidem sobre o aspecto fiscal da administração pública, do outro.
Resta o alerta de que o novo instrumento de política monetária não afeta a realidade fiscal brasileira. O fato de a dívida bruta do governo geral no conceito brasileiro cair com a substituição de operações compromissadas por depósitos voluntários mais revela defeitos da métrica utilizada do que melhoria na materialidade do quadro fiscal.
Leia a nota
O depósito voluntário no Banco Central e os diferentes conceitos de dívida pública