Desembarque de imigrantes na estação ferroviária da hospedaria em São Paulo, em 1908
Dos estertores da escravidão ao início do século XX, grandes fazendeiros de café no oeste de São Paulo utilizaram seu poder político na promoção de um gigantesco programa de imigração de trabalhadores. Seu intuito era expandir a oferta de mão de obra no campo e, desse modo, elevar a lucratividade da cafeicultura, objetivo que foi atingido.
Esse é o principal argumento da tese “Origins of Mass Immigration in Brazil 1871-1914” (origens da imigração em massa no Brasil), defendida em 1969 na Universidade Columbia (EUA) por Michael M. Hall, professor da Unicamp. O trabalho permanece sem tradução ou publicação no Brasil.
Para analisar a fase inicial da imigração em massa antes da Primeira Guerra (1914-1918), a tese mostra que os imigrantes europeus integraram o processo de modernização do país. Ao mesmo tempo, sua introdução reforçou o domínio da elite proprietária de terra.
Michael Hall começa mostrando as diferenças entre os dois tipos de imigração para o Brasil rural no século XIX. O primeiro resultou de iniciativas do governo para introduzir colonos europeus como agricultores independentes, geralmente nas províncias do sul do Império. No segundo, foco de Hall, a imigração proveu trabalhadores em sistema de parceria e depois assalariados para as fazendas de café em São Paulo.
A grande dificuldade dos trabalhadores de pagar o custo do transporte de sua viagem da Europa durante os primeiros anos no Brasil foi um sério obstáculo para o sucesso da imigração em grande escala. A solução satisfatória ocorreu apenas na década de 1880, quando os grandes proprietários rurais induziram os governos provincial paulista e o nacional a atrair imigrantes com passagens pagas integralmente pelo poder público.
Os trabalhadores livres representavam apenas 7,5% da força de trabalho na atividade cafeeira de São Paulo na década de 1860. A razão da baixa participação do trabalho livre antes de 1880 foi que, mesmo com pressões e restrições crescentes sobre o regime escravista, a mão de obra cativa ainda era lucrativa.
A imigração manteve-se virtualmente paralisada em São Paulo na década de 1870, período em que a província recebeu menos que 12 mil imigrantes, em contraste com os 180 mil na década de 1880 e os 630 mil na de 1890.
Foi apenas quando a escravidão começou a se desintegrar, em 1886 e 1887, que a imigração em massa se tornou urgente. Depois de 1881, o governo de São Paulo começou a reembolsar os fazendeiros por metade do custo de transporte do imigrante. Ainda assim, essa medida revelou-se ineficaz, e o novo programa de imigração, que começou em 1886, custeou a passagem integral de imigrantes enviados para a agricultura. A situação crítica do trabalho agrícola para os fazendeiros de São Paulo começou, assim, a ser atenuada.
O objetivo principal do programa era direcionar trabalhadores em grande número para as fazendas –de 1884 a 1914 chegaram 900 mil estrangeiros. A fim de manter o salário baixo buscou-se garantir um fluxo contínuo de trabalhadores europeus, já que o número de abandonos após o primeiro ano de contrato nas fazendas foi alto devido às péssimas condições de trabalho encontradas por famílias pioneiras.
De lado a lado, a preocupação econômica dominava. Os imigrantes priorizavam a acumulação de poupança e se dispunham a reduzir seu padrão de vida em troca de recursos suficientes para depois levarem uma vida confortável na Europa ou em São Paulo, como pequenos proprietários de terra ou comerciantes. Os fazendeiros encaravam a imigração como meio de aumentar seus lucros, limitando o custo da força de trabalho. Segundo o autor, a renda real do imigrante declinou de 1884 a 1914.

Família de imigrantes italianos no Núcleo Colonial Jorge Tibiriçá, no interior paulista, em 1911
Michael Hall coligiu uma cesta de bens de produtos consumidos pelos imigrantes e concluiu que, de 1889 a 1912, seu preço aumentou 123%. Os salários rurais cresceram apenas 15% no mesmo período. Por outro lado, os fazendeiros de café tiveram lucros vultosos de 1884 a 1914. O período que vai do final da década de 1880 a 1896 registrou altos preços do café e elevada lucratividade. No final dos anos 1880, as fazendas do oeste paulista viveram um boom, com enorme expansão da área cultivada.
Foi um período de grande disparidade entre as rendas da terra e dos salários, pois os proprietários mantiveram a oferta abundante de mão de obra. Mesmo a partir de meados da década de 1890, quando o preço do café começou a cair –de 1900 a 1905, reduziu-se à metade do que tinha sido entre 1890 e 1895–, os fazendeiros conseguiram sustentar seus lucros, devido ao mecanismo da imigração em massa.
Hall calculou serem necessários 300 mil imigrantes para a colheita anual das 10 milhões de sacas de café por ano produzidas de 1910 a 1914. O saldo entre chegadas e partidas de imigrantes foi de cerca de 750 mil de 1884 a 1914
Ao final, os imigrantes proporcionaram prosperidade econômica para os fazendeiros, mas a recíproca não foi necessariamente verdadeira. Segundo Michael Hall, as condições dos imigrantes em 1914 estavam piores do que 30 anos antes.