Gastos que crescem e não podem ser reduzidos, sobretudo com folha salarial de servidores, constituem a base do desequilíbrio financeiro crônico dos estados brasileiros. Uma série de auxílios do governo federal, ao longo das últimas quatro décadas, não solucionou o problema e ainda estimulou a baixa disciplina na gestão das contas públicas.
Os socorros costumam ocorrer quando os estados se veem sufocados pelas obrigações com suas dívidas, o que pode dar a entender que o principal gargalo seja o alto endividamento dos entes federativos. Análise do pesquisador Marcos Mendes, do Insper, que historiou a evolução desde a década de 1980, contesta essa interpretação.
A partir dos anos 1990, uma série de reformas limitou a capacidade de endividamento. Novas regras impediram, por exemplo, estados de emitir dívida própria no mercado e houve a privatização de bancos que financiavam os déficits dos governos. Com as mudanças, os passivos dos estados, que equivaliam a 18,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no início da década passada, passaram a representar 9,8% em 2018 .
Mas o período em que a política conseguiu inibir o endividamento estadual atacando também suas causas —o crescimento desproporcional das despesas em relação às receitas—acabou no final da década passada. Depois, brechas vieram sendo abertas nos mecanismos de cautela —criados, por exemplo, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (2000)—, e o padrão de expansão insustentável dos gastos prevaleceu.
Com essa reversão do quadro, voltaram também os sucessivos socorros da União a estados e municípios, que haviam marcado a década de 1980 e o início da de 1990.
De 2015 a 2018, foi seguidamente negativo o resultado orçamentário do conjunto dos estados brasileiros, o que redundou em suspensão de pagamentos a fornecedores e, em alguns casos, também a servidores, que tiveram seus salários atrasados e parcelados.
Em 2017, de cada R$ 100 de receita estadual, R$ 63 estavam comprometidos com pessoal. Em 2008, eram R$ 50. Inativos já respondem por mais de 45% desse dispêndio, parcela em tendência de crescimento. O volume de aposentados e pensionistas supera o de ativos no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Pelo que definiu o Supremo Tribunal Federal (STF), salários e jornadas de servidores não podem ser reduzidos enquanto tais medidas não ficarem expressas na Constituição.
Mendes elenca, em seu estudo, 11 fatores estruturais que concorrem para o descontrole das finanças estaduais e municipais no Brasil:
1. regras eleitorais conferem viés localista a deputados e senadores;
2. o STF em regra favorece estados em ações contra a União;
3. há concentração de poderes reguladores no Tesouro Nacional, sujeito a pressão política;
4. prevalece forte dependência de transferências federais da receita de alguns estados;
5. normas federais aumentam e enrijecem as despesas de estados e municípios;
6. regras previdenciárias federais são insuficientes para controlar esse tipo de gasto nos estados;
7. há elevado poder de barganha dos servidores públicos;
8. poderes e órgãos da administração estão blindados contra ajustes orçamentários;
9. vinculações de receita às áreas de saúde e educação aumentam as despesas se a economia vai bem, estabelecendo um gasto obrigatório elevado e de difícil cumprimento nos momentos de recessão;
10. há alta correção com o ciclo econômico do conjunto das receitas dos estados e de regras que lhes permitem tomar dívidas e realizar gastos novos nos períodos de maior crescimento, gerando crises fiscais nos momentos de queda da receita;
11. o sistema tributário estimula a guerra fiscal, o que resulta em perda de receita para o conjunto dos estados.
Como antídotos, o pesquisador recomenda reformas, algumas constitucionais. Entre as suas sugestões estão medidas que permitam a redução de salários e jornadas de servidores em situações de excesso de despesa de pessoal, que atenuem o efeito das vinculações de gastos e que tornem o regime de despesas menos dependente dos ciclos econômicos.
O economista também propõe a adoção de um fundo federativo para amortecer solavancos nas crises e poupar na bonança, a criação de certificações privadas da qualidade creditícia dos estados e a alteração do regime do ICMS de modo a inibir a guerra fiscal.