A prática de oferecer crédito em condições diferenciadas a empresas e setores escolhidos, em função da legislação federal e não do livre mercado, prejudica as companhias que têm menor acesso ao benefício e dificulta a execução da política de metas inflacionárias pelo Banco Central. Os subsídios com essa modalidade, chamada de crédito direcionado, chegaram a 1,5% do PIB no Brasil em 2015, de acordo com cálculos do Banco Mundial.
O Brasil voltou a expandir fortemente os empréstimos direcionados a partir de 2008, a título de combater os efeitos da crise financeira mundial que eclodira naquele ano. Como efeito dessa política, sete anos depois, a participação da modalidade direcionada no total do crédito havia subido de menos de 35% para 50%. A recessão de 2015-16 e a mudança política após o impeachment da presidente da República interromperam esse ciclo.
Num dos capítulos do livro recém-lançado “Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil”, os pesquisadores Marco Bonomo, Bruno Martins, Bruno Perdigão e Carlos Viana de Carvalho analisam os efeitos desse período de expansão do crédito direcionado no Brasil, alinhavando uma série de estudos sobre seus impactos econômicos.
Obrigar que uma parte dos recursos captados por instituições financeiras seja emprestada para finalidades específicas (como habitação, crédito rural e microcrédito) e canalizar os recursos de poupança forçada (como o FGTS e o FAT) para financiar infraestrutura, saneamento ou o investimento em setores escolhidos são mecanismos usuais do crédito direcionado no Brasil. As taxas de juros praticadas são frequentemente menores e mais estáveis que as de mercado.
Trata-se de subsídios ofertados pela política pública por um método mais opaco que o de inscrever tais despesas como gastos no Orçamento. Comparando os juros praticados com os de mercado, os autores estimam que o crédito direcionado embutiu um subsídio de 1,5% do PIB em 2015 só com o segmento de empréstimos a empresas. É a mesma cifra calculada, por outro método, pelo Banco Mundial para todas as modalidades de crédito direcionado.
Esse gasto, mostram estudos mencionados no texto, beneficiou setores desproporcionalmente ao seu peso no total do crédito. Além disso, empresas e setores com maior acesso ao crédito direcionado tornam-se menos sensíveis à política anti-inflacionária do Banco Central. Quando o BC eleva os juros básicos, que afetam a parcela de crédito livre da economia, essas empresas ficam mais protegidas desse efeito. As outras, mais desprotegidas, sofrem o impacto da alta da Selic mais fortemente e demitem mais trabalhadores, por exemplo.
Quando a empresa é grande, no entanto, tomar crédito direcionado não faz diferença para sua sensibilidade à política anti-inflacionária do BC. Isso indica que o recurso ao crédito direcionado, com suas taxas mais baixas, é usado para aumentar os lucros dessas empresas. Outro estudo, com grandes empresas de capital aberto, mostrou também que a tomada de empréstimo direcionado não impulsiona os seus investimentos produtivos.
Elevar ou reduzir a taxa Selic, que deveria ser uma ação neutra, acaba por essa via afetando diferentemente as empresas e produzindo vencedoras e vencidas por razões que nada têm a ver com sua produtividade ou sua capacidade de competir. Outra consequência da elevada participação do crédito direcionado é que o BC tem de usar doses mais elevadas de juros para conseguir o resultado esperado de controlar a inflação.