Quando uma nova coalizão partidária ganha a eleição para a prefeitura, ela ocupa a máquina municipal com seus filiados, desloca servidores sem vínculo político e captura os postos com maiores salários. Essas são algumas das conclusões do estudo de Klênio Barbosa, do Insper, e Fernando Ferreira da Escola Wharton, Universidade da Pensilvânia, que analisaram as contratações das prefeituras brasileiras de 1996 a 2012.
No período, a quantidade de filiados a partidos cresceu, e a proporção de pessoas com filiação partidária empregadas nas prefeituras passou de 16% em 1995 para mais de 30%. Essa expansão pode indicar um processo natural de politização após a redemocratização, mas também pode decorrer de práticas de aparelhamento, ou apadrinhamento, quando cargos são dados em troca de apoio político.

O objetivo de Barbosa e Ferreira foi entender em que grau a contratação de pessoas filiadas a partidos pode ser considerada aparelhamento e quais seriam as consequências da prática nas finanças públicas.
Partidos no poder em geral são mais fortes eleitoralmente e têm mais simpatizantes políticos. Assim, o fato de essas legendas terem mais filiados ocupando cargos públicos pode refletir apenas a sua maior influência no município, e não necessariamente a prática do apadrinhamento.
Para responder à pergunta em meio a essa confusão de fatores, os pesquisadores precisavam encontrar uma forma de comparar apenas partidos em situação similar. Não podiam contar, porém, com os recursos da pesquisa científica clássica, como experimentos em laboratório.
Nos laboratórios, quando controlam os fatores (no caso, a força política) que incidem sobre o fenômeno que desejam medir (aparelhamento), cientistas amiúde realizam sorteio para designar um grupo que será submetido ao tratamento (estar no poder) e um outro, que não será tratado, para servir de contraste.
A distribuição aleatória do tratamento evita que, antes do início do experimento, um grupo tenha características que afetam o resultado final diferentes das do outro. Garantida pelo sorteio a condição de igualdade na largada, o efeito medido ao fim da pesquisa pode ser totalmente atribuído ao tratamento, e não também a outros traços, às vezes ocultos, que eram mais frequentes num dos grupos.
Fenômenos da sociedade, como a política, apenas muito raramente podem ser submetidos às condições de um laboratório. Para contornar o problema, os pesquisadores dessas áreas costumam identificar situações em que a realidade oferece circunstâncias próximas às de um experimento padrão.
Disputas eleitorais em que um candidato venceu o outro por pequena margem de votos constituem uma dessas situações quase experimentais exploradas na ciência política. O raciocínio é que a diferença minúscula entre vitorioso e derrotado faz do resultado final um evento aleatório. Equivale a um sorteio.
Como o sorteio no laboratório, o resultado apertado de uma eleição produz grupos com traços, como força política, muito semelhantes no início da observação. O efeito diferencial em relação ao grupo de comparação que ocorrer ao longo do mandato pode ser mais propriamente atribuído ao fato de um grupo ter assumido o poder. Assim fizeram Klênio Barbosa e Fernando Ferreira, que cotejaram o grupo que perdeu por margem apertada, e que já tinha militantes na burocracia, com o grupo vitorioso.

A comparação entre ambos os grupos indica que as coligações que ganharam as eleições municipais contrataram em média 17 funcionários filiados ao partido que lidera a coalizão. Em termos da proporção de funcionários públicos filiados, o volume representa aumento de 2 pontos percentuais.
A fatia de salários destinada aos filiados da sigla vencedora cresce 4,5 pontos percentuais no primeiro ano do mandato, alta que chega a 6 pontos no terceiro ano, logo antes do pleito seguinte. Como a remuneração cresce mais que o número de cargos, os apadrinhados ocupam postos mais bem pagos.
Dois terços do efeito do apadrinhamento na quantidade de funcionários e salários são de responsabilidade do partido que lidera a coligação. Além de aumentar o gasto com funcionários partidários, a prática reduz quase na mesma medida os gastos com funcionários não filiados.
Quanto mais o município depende de verbas estaduais e federais, maior é o aparelhamento com filiados. Quanto maior a presença de organizações de imprensa na localidade, menor é o loteamento.
Outro fator que reduz a proporção de salários pagos a servidores filiados é a ocorrência de auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) no mandato anterior. Esse programa anticorrupção do governo federal sorteia, desde 2003, municípios que terão o uso de verbas federais fiscalizado.
A inclinação ideológica do partido não afeta o grau de aparelhamento. Agremiações de esquerda, centro e direita empregam filiados sem grande variação. Além disso, o apadrinhamento cresce com o tamanho do partido, indicando que essa prática visa gerar privilégios, regalias e benefícios privados aos associados aos partidos políticos (“rent-seeking”) com recursos públicos. O apetite por cargos não se acentuaria em siglas maiores se o objetivo fosse só o governo eficiente.
Em quase duas décadas de redemocratização, a rotina de trocar cargos por apoio político explica mais da metade do crescimento da proporção de funcionários das prefeituras filiados a partidos políticos.
Por outro lado, o apadrinhamento político não aumentou o tamanho dos governos municipais, pois eles têm pouca ingerência sobre as receitas orçamentárias. Produziu, isto sim, realocação de recursos nas prefeituras, favorecendo o ganho dos filiados e reduzindo, na mesma proporção, o dos não filiados.
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