12 leituras e 1 podcast para entender os desafios do Brasil em 2021
Quer uma ajudinha para começar este ano com informações e referências para discutir os principais desafios do Brasil? Fizemos uma seleção do nosso conteúdo que pode facilitar essa tarefa. Confira abaixo. Podcast Primeiro Turno explica o que prefeitos e vereadores podem fazer pelas cidade Prefeituras e Câmaras municipais começam, neste mês, um jornada que se estenderá pelos próximos quatro anos. Em oito episódios, mergulhamos em estudos e conversamos com pesquisadores do Insper e de instituições como Columbia, Harvard e Rice para reunir as evidências do que pode dar certo ou errado em ações para transformar as cidades. Ouça já! Spotify | Apple | Google Economistas propõem agenda de reformas essenciais pós-pandemia O trabalho coordenado por Marcos Lisboa faz um diagnóstico de deficiências do Estado brasileiro e sugere uma série de medidas para tornar o setor público mais eficiente e criar condições para que o país possa voltar a crescer. Leia também >> O Brasil cresce pouco e não é de hoje Renda do brasileiro cresce em média 0,9% ao ano desde 1980 Expandir transferência de renda custaria até R$ 918 bi a mais por ano O auxílio emergencial desencadeou uma onda de debates a respeito de como o Estado pode proteger as famílias mais vulneráveis. Marcos Mendes fez as contas da verba necessária para expandir a transferência de renda. Leia também >> Conheça propostas para aprimorar a proteção social Série de medidas pode financiar expansão de programa assistencial Cada vez menos países ricos têm imposto sobre fortunas Com a pandemia, a ideia de instituir um imposto sobre grandes fortunas voltou a ganhar a atenção de congressistas no Brasil. Mas, em países ricos, esse tipo de tributo vem perdendo força nos últimos anos, segundo pesquisa do Núcleo de Tributação do Insper. Leia também >> Glossário da reforma tributária: saiba o que é IVA, ICMS, IR e guerra fiscal Estudos detectam vulnerabilidades da CPMF Evasão escolar gera, em 1 ano, perda de R$ 214 bilhões Só em 2020, estima-se que cerca de 575 mil jovens não concluiriam a educação básica, soma superior à população inteira de Florianópolis. Pesquisa liderada por Ricardo Paes de Barros, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, calculou o custo individual e coletivo dessa evasão. Leia também >> Instrução para poucos repercute no salário Dobrar número de recém-formados eleva PIB de cidades
Setor privado pode ampliar iniciativas contra desmate na Amazônia
As práticas do agronegócio brasileiro em relação à Amazônia são objeto de crescente escrutínio da comunidade nacional e internacional pelo seu impacto na eliminação da floresta e, por essa via, no aquecimento global. Embora a legislação doméstica antidesmate seja relativamente avançada, a aplicação dos seus dispositivos ainda pode avançar bastante, e o setor privado tem papel importante a desempenhar nesse aspecto. As iniciativas ao alcance do setor privado foram tema de análise de Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, e Niels Søendergaard, pesquisador do núcleo, distribuída em novembro de 2020 pela embaixada do Brasil em Londres. Conheça abaixo as sugestões. Pactos na cadeia comercial São acordos entre agentes-chave para bloquear a comercialização relacionada ao desflorestamento ilegal, a exemplo do que foi acertado entre tradings, revendedores e sociedade na chamada Moratória da Soja (2006). Remuneração por serviços ambientais Ocorre quando, por exemplo, um produtor abre mão de desmatar área a que a legislação lhe dá direito em troca de pagamento. Esse tipo de compensação está previsto no Código Florestal. Estima-se que o ressarcimento pela manutenção da floresta possa render de US$ 77 a US$ 123 anuais por hectare. Rastreabilidade de rebanho Como abrir pastagens incentiva o desmate na Amazônia, traçar os deslocamentos do gado seria um meio de detectar e reprimir a comercialização oriunda de floresta ilegalmente derrubada. O Brasil tem sistemas de rastreio de rebanho e de observância ambiental de propriedades rurais que, se forem integrados, podem produzir uma ferramenta eficaz de combate à pecuária predatória da floresta. Elevação da produtividade em áreas já desmatadas Apenas 14% da área desmatada na Amazônia de 1988 a 2014 foi convertida para operações mais produtivas. Intensificação sustentável, projetos de reflorestamento, integração do gado com outras atividades e reabilitação de pastagens são caminhos que, se ganharem escala, integrarão o objetivo de sequestrar carbono da atmosfera com o de elevar a renda dos produtores. Leia a análise Private sector initiatives in the Brazilian agri-food sector to halt Amazon deforestation
Socorro federal engorda caixa dos estados em 2020
O auxílio financeiro emergencial do governo federal ao conjunto dos estados foi mais que suficiente para compensar os impactos da pandemia de Covid-19 sobre as receitas e as despesas estaduais. O dinheiro, obtido via expansão recorde do déficit e da dívida da União, melhorou a situação de caixa dos estados na comparação com 2019, quando não havia crise. Nas contas de Marcos Mendes, pesquisador do Insper, consideradas nas demonstrações de janeiro a setembro deste ano as perdas de arrecadação dos estados, de um lado, e as transferências extraordinárias e suspensões de cobranças federais, do outro, o caixa dos tesouros estaduais teve ganho de R$ 57,5 bilhões. Debitando a alta das despesas estaduais, que foi em parte impulsionada pela crise sanitária, o saldo positivo fica em R$ 36,3 bilhões. O acúmulo impulsionado pelo socorro federal, que também ocorreu no âmbito dos municípios, contribuiu para a melhora de 75%, na média, do saldo de caixa dos estados, já descontadas as suas obrigações, se comparados os oito primeiros meses deste ano com o mesmo período de 2019. O indicador para São Paulo, Minas Gerais e Bahia registra incrementos de 23%, 272% e 31%, respectivamente, em relação ao ano passado. Goiás multiplicou por sete seu caixa líquido. Mesmo computadas todas as receitas, ordinárias e extraordinárias, dos estados no ano da pandemia, o resultado é de alta média de 10% (7% acima da inflação), no acumulado de janeiro a agosto em relação a 2019. O desempenho estadual contrasta com o da arrecadação de tributos pela Receita Federal, que encolheu 10,5% (13% considerada a inflação) no período. A disponibilidade de caixa não é necessariamente ruim, na avaliação de Mendes. Pode sugerir que os governadores agiram com prudência ao evitar gastar mais diante das incertezas sobre o futuro próximo, que ainda não se dissiparam. Esse colchão de dinheiro também enfraquece, segundo o pesquisador do Insper, os argumentos a favor da extensão do auxílio federal no ano que vem, ainda mais diante de um déficit primário da União recorde, projetado em 12% do PIB, e de um endividamento federal que pode rapidamente romper os 100% do PIB (Produto Interno Bruto).
Série de medidas pode financiar expansão de programa assistencial
A pandemia de coronavírus tem dois efeitos negativos sobre as finanças públicas. De um lado, ajuda a acentuar o desequilíbrio entre receitas e despesas, que já vinha ocorrendo havia anos. Do outro, desafia governos a ampliarem a rede de proteção social para socorrer parcela crescente de brasileiros cuja renda sofrerá abalos duradouros. Marcos Mendes, do Insper, elaborou proposta que concilia o objetivo de equacionar o endividamento estatal, para que a economia volte a crescer a taxas mais elevadas, com o de aumentar o escopo de políticas assistenciais aos mais pobres. Ela envolve conjugar uma série de medidas de curto prazo, a fim de evitar o estouro do limite de gastos federais, e assim prover tempo para que um ajuste estrutural seja executado nos próximos anos. O exercício leva em conta as necessidades para financiar o Programa de Responsabilidade Social, proposto pelo Centro de Debates de Políticas Públicas. Ele pretende estender a rede assistencial a 18 milhões de famílias, com ações de garantia de renda mínima, seguro para lares vulneráveis e poupança para estudantes pobres. A sua implementação completa exigiria do erário cerca de R$ 20 bilhões anuais adicionais, com pouco menos de R$ 15 bilhões já em 2021, num Orçamento federal que já vem sendo pressionado pelo aumento de despesas obrigatórias, como os benefícios previdenciários. O teto de gastos, dispositivo constitucional que impede o governo de gastar, em valores corrigidos pela inflação, além do que despendeu no exercício anterior, também vai ficando pressionado. A fusão do Bolsa Família com os atuais Abono Salarial, para quem ganha até dois salários mínimos mensais no mercado formal, e o Seguro Defeso, para pescadores, formaria a base do custeio do novo programa. Como o Abono já tem compromissos de pagamento até 2022, em virtude de haver defasagem entre o fato gerador e o desembolso, seria preciso obter receitas transitórias até lá. Isso poderia ser feito com o direcionamento para o custeio do programa social, até 2022, de emendas do Orçamento a que congressistas têm direito. Além disso, a fim de assegurar o cumprimento do teto enquanto o gasto social se expande, seriam necessárias medidas como congelar temporariamente a correção de aposentadorias acima de 3 salários mínimos, reduzir a remuneração e a jornada de trabalho de servidores e manter o veto presidencial à chamada desoneração da folha de pagamentos. A partir de 2024, o objetivo de cumprir o teto de gastos exigirá um conjunto de reformas estruturais a ser deliberado desde já, pois seus efeitos demoram a aparecer. A reforma administrativa, a revisão da sobreposição entre o FGTS e o Seguro Desemprego, a melhora da defesa jurídica da União para reduzir custos com condenações…
Parceria entre imigrantes e grande lavoura ocorreu no Sul
Fábrica de barricas de Michael Vogelsanger, na colônia Dona Francisca, na região da atual Joinville (SC) A introdução do trabalho livre entre o fim do tráfico de escravos (1850) e a Abolição (1888) abarcou experimentos de colonização que, no Sul do Brasil, associaram-se a iniciativas de povoamento, baseadas em minifúndios cultivados por pioneiros europeus. A historiografia não registrava relações, nessa região, entre tais fluxos demográficos, centrados na atração de migrantes do Norte da Europa, e a grande lavoura do café e do açúcar, que, assentada no trabalho escravo, liderava a economia exportadora brasileira. A pesquisa de Luiz Mateus da Silva Ferreira sobre a experiência da colônia Dona Francisca, na região da atual Joinville, em Santa Catarina, borra essas fronteiras. O professor do departamento de economia da Universidade Federal de Ouro Preto constatou a existência de um leque de relações de trabalho no assentamento, fundado em 1851, que incluía a parceria de imigrantes com latifundiários produtores de café e açúcar. Luiz Mateus foi um dos expositores do 7º Workshop de História Econômica, promovido pelo Insper no final de agosto. O trabalho apresentado é um desdobramento de sua tese de doutoramento, defendida no ano passado na USP (Universidade de São Paulo). Dona Francisca foi batizada em homenagem à irmã do imperador Pedro 2º que se casara em 1843 com François de Orléans, príncipe de Joinville. As terras em que depois se implantou a colônia faziam parte do dote pago ao noivo em razão do matrimônio. Para o empreendimento, a cargo da Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo, rumaram mais de 17 mil colonos de língua alemã até 1888, perto de 20% dos estrangeiros dessa origem que emigraram para o Brasil de 1850 até o ano da Abolição. A meta de viabilizar excedentes pelo trabalho de pequenos agricultores em seus lotes, no entanto, foi durante muito tempo mal alcançada. A colônia foi deficitária na produção de alimentos nas duas primeiras décadas. As condições em que os imigrantes, em sua maioria pobres e endividados, chegavam ao povoamento os impeliam a buscar trabalhos paralelos ao cultivo de suas terras. Sobressaiu a tarefa como diaristas, principalmente em obras de infraestrutura na região, mas também houve contratos de parceria com grandes proprietários monocultores. A fazenda de Bernhard Poschaan Jr., hamburguês abastado, empregou entre 50 e 60 imigrantes parceiros na produção de cana, açúcar e cachaça. A remuneração contratada dependia de fatores como a fatia das despesas de viagem paga pelo trabalhador. A propriedade de Arthur Guiguer, cônsul da Suíça no Rio de Janeiro, também lançou mão de variantes de parceria para mobilizar imigrantes do seu país na produção de café. Antes da pesquisa de Luiz Mateus…
Glossário da reforma tributária: saiba o que é IVA, ICMS, IR e guerra fiscal
Estão nas mãos de congressistas os textos que podem alterar a forma como se cobram tributos no país –e também de quem se cobra. Atualmente, há duas propostas de emendas à Constituição em tramitação, a PEC 45 e a 110. No fim de julho, o Ministério da Economia também entregou o seu projeto (PL 3887), para ser incorporado ao processo. Nele, o governo propõe a criação de um tributo, a CBS, para substituir o PIS/Pasep e a Cofins. Para entender melhor o que está em jogo, confira o significado de termos que aparecem com frequência nesse debate. Carga tributária Uma maneira usual de avaliar a capacidade e a necessidade de arrecadar de um governo é comparar o montante obtido ao tamanho da economia da qual são recolhidos os tributos. Em 2018, segundo a Receita, as administrações federal, estaduais e municipais coletaram R$ 2,3 trilhões, o que representa 33,3% dos R$ 6,9 trilhões produzidos no Brasil naquele ano. O índice foi pouco inferior aos 34,2% do PIB (Produto Interno Bruto) que as nações majoritariamente ricas da OCDE arrecadaram em média. Divisão federativa A Constituição dá autonomia relativa a União, estados e municípios para recolherem seus tributos. À administração federal cabe, por exemplo, tributar a renda dos cidadãos e o lucro das empresas (IR) e cobrar as contribuições à seguridade social. Os estados arrecadam das vendas de mercadorias (ICMS) e da propriedade de veículos (IPVA), entre outras fontes. Os municípios tributam imóveis (IPTU) e serviços (ISS). ICMS Incide sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços de comunicação e transportes intermunicipais e interestaduais, a cargo dos estados e do Distrito Federal. A legislação permite que o contribuinte registre créditos do imposto que foi cobrado nas aquisições, conforme algumas condicionantes –esses créditos podem ser descontados nas etapas posteriores da circulação do bem. Individualmente é o tributo que mais arrecada no país, sendo responsável por R$ 1 a cada R$ 5 recolhidos aos cofres públicos nas três esferas federativas em 2018. Guerra fiscal Ao manipularem as alíquotas e os regimes de impostos que estão sob sua alçada, estados e municípios podem tornar atrativa a implantação de certos tipos de empresas em seu território que de outro modo se instalariam em outra. Como o ICMS é arrecadado em parte no estado de origem do bem vendido a outro estado, empurra parte da conta do subsídio, via crédito tributário, ao estado de destino. O resultado da guerra fiscal tem sido perda de arrecadação geral no país e distorção da alocação de investimentos, em detrimento da eficiência. Um dos antídotos em debate na reforma tributária seria cobrar todo o ICMS no destino…
Estudos detectam vulnerabilidades da CPMF
No debate sobre reforma tributária, o Ministério da Economia ventila a ideia de recriar um imposto sobre transações financeiras no Brasil. Do pouco que se sabe, ele em regra recolheria 0,4% de cada operação, teria potencial de arrecadar R$ 120 bilhões ao ano e substituiria uma parte do que a Receita Federal obtém com a contribuição sobre a folha salarial das empresas. Defensores da ideia do governo argumentam que a introdução da taxa deveria ser cotejada com a contribuição que ela pretende em parte suceder, a que as empresas pagam ao INSS sobre a folha, que também provoca distorções econômicas. Não há notícia de estudos de boa qualidade que tenham feito essa comparação analítica. Quanto à sua alíquota, a hipótese aventada somaria 0,4%, com a cobrança de 0,2% em cada ponta da operação –não se sabe se o imposto incidiria só sobre pagamentos em comércio eletrônico ou sobre qualquer movimentação financeira. Porém, em análise publicada há um ano, pesquisadores estimaram em 2,8% (1,4% no débito e 1,4% no crédito) o percentual médio necessário para assegurar o mesmo valor arrecadado com as contribuições dos empregadores. Enquanto não se conhece a proposta, pode-se avaliar a experiência internacional e a brasileira com tributos desse gênero. No Brasil um deles vigorou de 1997 até a sua renovação ter sido recusada pelo Congresso, em 2007. Trata-se da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), cuja alíquota variou de 0,2%, no início, a 0,38%, nos anos finais. O saldo da revisão acadêmica não tem sido favorável à implantação duradoura desse tipo de taxação. Ele pode ser efetivo em situações de emergência, quando o governo precisa arrecadar depressa quantias expressivas, em razão de uma crise fiscal, por exemplo. Mas, com o tempo, começam a prevalecer as suas vulnerabilidades, listadas a seguir. Cumulatividade Quanto mais movimentações financeiras para produzir um bem ou serviço, mais eles serão tributados. Essa característica pune desproporcionalmente atividades que se valem mais de serviços financeiros sem motivo econômico para isso. Como sua incidência total é difícil de ser detectada e anulada, prejudica a competitividade das exportações, onerando-as. Saiba mais em: Substituindo o PIS e o COFINS- e por que não a CPMF?- Por uma contribuição não-cumulativa. Desintermediação Para se livrar dos custos do imposto, os agentes tendem a recorrer menos às transações bancárias, por exemplo privilegiando internalizar etapas da produção e recorrendo ao dinheiro em espécie e a mecanismos informais de intercâmbio. Saiba mais em: Bad Taxation: Disintermediation and Illiquidity in a Bank Account Debits Tax Model; Os Efeitos da CPMF sobre a Intermediação Financeira, Bank debit taxes: yield vs. disintermediation. Distorção das escolhas de produtores e consumidores Ao incentivar arranjos que não aconteceriam…
Pandemia ressalta papel do agronegócio na segurança alimentar
Vaqueiro conduz gado em fazenda no Mato Grosso A Covid-19 pôs em foco o modo como se produz e se consome alimento no mundo. Com a propagação de uma doença que possivelmente derive de práticas inseguras de abate e preparo de animais, países se veem diante da tarefa de aperfeiçoar padrões sanitários. Ao mesmo tempo, em resposta à onda infecciosa, lançam mão de medidas que oferecem risco à operação de cadeias globais e às famílias mais vulneráveis. Os estudos Cadeias produtivas e segurança alimentar e Saúde única, zoonoses e segurança do alimento, publicados pelo Centro de Agronegócio Global, do Insper, avaliaram esses feixes de desafios trazidos pela pandemia. Em relação à produção e oferta de alimentos, segundo os pesquisadores, os problemas em geral estão mais associados às atividades que dependem do uso intensivo de mão de obra, afetadas pelas restrições ao deslocamento das pessoas e mais concentradas nos países em desenvolvimento. Também chamam a atenção ações restritivas e protecionistas adotadas por alguns governos em resposta aos efeitos do novo coronavírus. Políticas com esse viés podem prejudicar o funcionamento de mercados internacionais agropecuários, tornando as cadeias globais menos eficientes, a exemplo do ocorrido em 2007 e 2011. Outro foco de preocupação são os países dependentes da importação de alimentos, frequentes no Oriente Médio e da África. Além de rupturas de cadeias de suprimentos no início da crise, o que foi amenizado nos últimos meses, a escalada protecionista pode agravar e alastrar gargalos. Essas nações seriam mais castigadas em um quadro de menor disponibilidade e encarecimento de alimentos. A última ameaça se mostra, ao menos por enquanto, distante. Ao longo do primeiro semestre passado, o comportamento de preços mundiais não apresentou variação significativa. O nível de preços interessa sobretudo às populações mais pobres. Os impactos nos rendimentos de pessoas afetadas pela retração da atividade econômica, em especial onde os governos não têm capacidade fiscal ou organizacional para estender colchões de socorro financeiro e humanitário, arriscam elevar o volume de indivíduos sujeitos a passar fome no mundo, hoje estimado em 800 milhões. Segundo o Programa Alimentar Mundial, das Nações Unidas, os efeitos da pandemia podem fazer dobrar, para 265 milhões, a quantidade de pessoas com carência aguda de comida até o fim deste ano. Sob maior risco encontram-se regiões como a África subsaariana, em que a maioria dos habitantes não dispõe de renda suficiente para adquirir uma cesta saudável de alimentos. Padrões sanitários O fato de o novo coronavírus ter sua origem provável em morcegos, alvos de caça para consumo na China e em outras nações, despertou preocupações sobre como prevenir a emergência de outros patógenos potencialmente danosos para o…
Despesa rígida e crescente compromete finança dos estados
Gastos que crescem e não podem ser reduzidos, sobretudo com folha salarial de servidores, constituem a base do desequilíbrio financeiro crônico dos estados brasileiros. Uma série de auxílios do governo federal, ao longo das últimas quatro décadas, não solucionou o problema e ainda estimulou a baixa disciplina na gestão das contas públicas. Os socorros costumam ocorrer quando os estados se veem sufocados pelas obrigações com suas dívidas, o que pode dar a entender que o principal gargalo seja o alto endividamento dos entes federativos. Análise do pesquisador Marcos Mendes, do Insper, que historiou a evolução desde a década de 1980, contesta essa interpretação. A partir dos anos 1990, uma série de reformas limitou a capacidade de endividamento. Novas regras impediram, por exemplo, estados de emitir dívida própria no mercado e houve a privatização de bancos que financiavam os déficits dos governos. Com as mudanças, os passivos dos estados, que equivaliam a 18,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no início da década passada, passaram a representar 9,8% em 2018 . Mas o período em que a política conseguiu inibir o endividamento estadual atacando também suas causas —o crescimento desproporcional das despesas em relação às receitas—acabou no final da década passada. Depois, brechas vieram sendo abertas nos mecanismos de cautela —criados, por exemplo, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (2000)—, e o padrão de expansão insustentável dos gastos prevaleceu. Com essa reversão do quadro, voltaram também os sucessivos socorros da União a estados e municípios, que haviam marcado a década de 1980 e o início da de 1990. De 2015 a 2018, foi seguidamente negativo o resultado orçamentário do conjunto dos estados brasileiros, o que redundou em suspensão de pagamentos a fornecedores e, em alguns casos, também a servidores, que tiveram seus salários atrasados e parcelados. Em 2017, de cada R$ 100 de receita estadual, R$ 63 estavam comprometidos com pessoal. Em 2008, eram R$ 50. Inativos já respondem por mais de 45% desse dispêndio, parcela em tendência de crescimento. O volume de aposentados e pensionistas supera o de ativos no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Pelo que definiu o Supremo Tribunal Federal (STF), salários e jornadas de servidores não podem ser reduzidos enquanto tais medidas não ficarem expressas na Constituição. Mendes elenca, em seu estudo, 11 fatores estruturais que concorrem para o descontrole das finanças estaduais e municipais no Brasil: 1. regras eleitorais conferem viés localista a deputados e senadores; 2. o STF em regra favorece estados em ações contra a União; 3. há concentração de poderes reguladores no Tesouro Nacional, sujeito a pressão política; 4. prevalece forte dependência de transferências federais da receita de…
Lucro dos cafeicultores motivou imigração em massa em SP
Desembarque de imigrantes na estação ferroviária da hospedaria em São Paulo, em 1908 Dos estertores da escravidão ao início do século XX, grandes fazendeiros de café no oeste de São Paulo utilizaram seu poder político na promoção de um gigantesco programa de imigração de trabalhadores. Seu intuito era expandir a oferta de mão de obra no campo e, desse modo, elevar a lucratividade da cafeicultura, objetivo que foi atingido. Esse é o principal argumento da tese “Origins of Mass Immigration in Brazil 1871-1914” (origens da imigração em massa no Brasil), defendida em 1969 na Universidade Columbia (EUA) por Michael M. Hall, professor da Unicamp. O trabalho permanece sem tradução ou publicação no Brasil. Para analisar a fase inicial da imigração em massa antes da Primeira Guerra (1914-1918), a tese mostra que os imigrantes europeus integraram o processo de modernização do país. Ao mesmo tempo, sua introdução reforçou o domínio da elite proprietária de terra. Michael Hall começa mostrando as diferenças entre os dois tipos de imigração para o Brasil rural no século XIX. O primeiro resultou de iniciativas do governo para introduzir colonos europeus como agricultores independentes, geralmente nas províncias do sul do Império. No segundo, foco de Hall, a imigração proveu trabalhadores em sistema de parceria e depois assalariados para as fazendas de café em São Paulo. A grande dificuldade dos trabalhadores de pagar o custo do transporte de sua viagem da Europa durante os primeiros anos no Brasil foi um sério obstáculo para o sucesso da imigração em grande escala. A solução satisfatória ocorreu apenas na década de 1880, quando os grandes proprietários rurais induziram os governos provincial paulista e o nacional a atrair imigrantes com passagens pagas integralmente pelo poder público. Os trabalhadores livres representavam apenas 7,5% da força de trabalho na atividade cafeeira de São Paulo na década de 1860. A razão da baixa participação do trabalho livre antes de 1880 foi que, mesmo com pressões e restrições crescentes sobre o regime escravista, a mão de obra cativa ainda era lucrativa. A imigração manteve-se virtualmente paralisada em São Paulo na década de 1870, período em que a província recebeu menos que 12 mil imigrantes, em contraste com os 180 mil na década de 1880 e os 630 mil na de 1890. Foi apenas quando a escravidão começou a se desintegrar, em 1886 e 1887, que a imigração em massa se tornou urgente. Depois de 1881, o governo de São Paulo começou a reembolsar os fazendeiros por metade do custo de transporte do imigrante. Ainda assim, essa medida revelou-se ineficaz, e o novo programa de imigração, que começou em 1886, custeou a passagem integral de…
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